Filósofo turrão desanca leitores e escritores

“Ele havia passado pelo ginásio e pela universidade, e aprendera mais do que estava no currículo. Experimentou o amor e o mundo, com resultados (negativos, acrescento eu) que afetaram o seu caráter e a sua filosofia. Tornara-se melancólico, cí¬nico e desconfiado; era obcecado por temores e pesadelos; mantinha seus cachimbos trancados a sete chaves e jamais confiava seu pescoço à navalha de um barbeiro; e dormia com pistolas carregadas ao lado da cama. Não suportava barulho. (…) “O barulho é uma tortura para todos os intelectuais. (…) A superabundante demonstração de vitalidade que assume a forma de bater, martelar e derrubar coisas de um lado para o outro tem sido o meu tormento a vida toda”.

Tinha um sentido quase paranóico de grandeza não reconhecida; sem conseguir sucesso e fama, voltava-se para dentro e roía a própria alma”. É Will Durant, em A História da Filosofia, falando de Schopenhauer antes de publicar O Mundo como Vontade e Representação (1818). E você aí se “achando” e cheio de neura só porque teu time perdeu o campeonato, heim? Imagine-se na pele do filósofo! Aí, em 1851, Arthur Schopenhauer escreveu um livro chamado Parerga und Paraliponema, que pode ser traduzido, mais ou menos, como Acessórios e Remanescentes, segundo Pedro Sussekind.

Naquela época, Schopenhauer era desconhecido como filósofo. Já havia escrito, trinta e três anos antes, o livro que o tornaria famoso, chamado O mundo como vontade e representação. Só que o livro foi praticamente ignorado quando saiu — ele também. Dezoito anos depois ele soube pelo editor que grande parte da edição foi vendida como papel velho. Viveu dando aulas e alimentando seu estilo contundente de atacar os filósofos e literatos que ele achava empolados, prolixos e vazios. Até que, em 1851, explodiu publicando Acessórios e Remanescentes. Num piscar de olhos, passou a ser conhecido, respeitado e… odiado. Conhecido e respeitado por artistas, escritores e novos filósofos. Odiado pelos filósofos e literatos que atacava com veemência e furor. É impressionante como o livro Acessórios e Remanescentes é atual. A L&PM escolheu capí¬tulos dele e publicou em 2006 com o título irresistível A arte de escrever. Comprei. Aqui começou meu martírio. Aí, li. E, justamente, ele fala dos prejuízos da leitura excessiva e enfatiza que devemos pensar por nós próprios. “Quando lemos, outra pessoa pensa por nós: apenas repetimos seu processo mental…” O que impressiona é que não se pode largar o livro! É irresistível, embora diga que devemos deixar de lado as leituras para viver e pensar, pensar e viver. Schopenhauer escreve limpo, sem arroubos filosóficos. Talvez tenha sido o primeiro filósofo inteligível. A gente entende o que ele diz, mesmo que não concorde. O problema é que, depois de ler, fiquei chateado. A gente deduz que não se precisaria escrever nada, pois ninguém precisa ler! Se cada um pensasse por si, ninguém teria necessidade de ouvir os outros. Em nenhum momento do livro ele se dá por achado e manda a gente parar de ler seu livro e ir viver. Que coisa engraçada: nem o tradutor e prefaciador falou sobre isso, mas está tudo claro em cada linha que Schopenhauer escreveu. Já naquele tempo ele chamou nossa atenção para o fato de que preenchemos todo tempo com atividades e ruídos: leitura, música, jogos. Não damos espaço de quietude para o próprio pensamento.

Enfim, é um livro escrito para quem não lê. Ele chama nossa cabeça de “arena de pensamentos alhei-os” quando lemos! É demais intrigante! Acho que só um outro livro me deixou assim tão para baixo. Foi um do Marshall McLuhan que fala do fim do livro, porém, escrito um livro e citando centenas de outros! Aliás, Schopenhauer também cita exemplos literários ao mesmo tempo em que dá conselhos sobre como escrever um bom texto! Fiquei uns dois dias sem vontade de nada, depois que li o chamado “psicólogo da vontade”. Pode? Era isso, por agora. Por mim, pode ler, sim, esse e outros livros.

*Rui Werneck de Capistrano não é amigo do alheio…

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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