Há sangue frio

Filósofos helênicos abotoaram o paletó injustamente: libório arrancou as teclas da máquina de escrever para machucar os dedos enquanto datilografa. Eles sangram pra lá e pra cá, sujando a mesa de um vermelho vivo. Chicletes grudam na massa cinzenta já aprodecida de insepultos, agora de bruços, senho fechado. Campos de carvalhos me acenam da estante. Ilíadas e mais ilíadas, lidas, relidas, esmiuçadas por algum selvagem de motocicleta.

O homem do mato de mãos dadas com a mística feminina. É proibido. Chegou godot, três dias atrasado, esteve viajando, diz, no país das maravilhas. Lá se come bem. Os certões estavam errados, a revolução no fruturo começa semana que vem, com o teatro do comprimido e outras rimas poéticas. Mas à essa altura do campeonato, quem tem medo da megera domada? Ter certeza da dentista cansada de guerra e paz, elementar, meu caro watson! A avó está no mundo há oitenta anos e ainda não viu a luz no fim do tonel; um certo cafetão rodrigo quer beber sete: é oito e meio, além do imposto. Enterrem meu coração no encouraçado na curva do calombo, junto com os cada vez mais estupefactos que ainda bebem leite de onça. Tragélida cosmopolenta, fadiga na perna esquerda, carne da minha carne, sangue do meu sangue, mesoparina de antanho, esquálida borboletra zanzando sobre as flores de maracujá, agora mesmo, neste instante.

Hipócrita fede. E tem hipócrita que cheira, mas só na casa dos outros.

Oposição frontal: não há duelo solitário, ninguém assassina a própria sombra sem motivo; ser explícito no acesso à leiteratura, literatejar em abundância sem ser versado em literatura nem em letras, dig it? Arrebentar a proveta, provecto. Veja o diário da tia. Vejam só, fins negam os sheiks sem fundos. É a guerra com o jogral, deixa o alfredo falar. Só o vento sabe a resposta. Esquadrão do norte, espumando pelo canto da boca, a cólera do cão; livro vermelho dos millôres, erros de sifilização. Caiu o pano! Essas coisas insaciáveis, o tempo e o vento, lá vou, gulliver! Divina comédia, fizeste aval de três freiras que assombram o país. A cinza das noras, morte e vida sem verina; feliz ano novo, tia zulmira. Carona do pai thomaz: é do tipo do rei. Cavalinhos de platiplanto. Os dentes ao sol. Rei posto, ele está pelado, com a navalha na carne. Mas traga. Catatchau

Pior que o hipócrita, só a mulher do hipócrita, sem pai nem mãe. Mas com o hipócrita, de braços dados. Esse casamento não vai longe: no máximo, até o banheiro, pra vomitar. O corpo se decompõe; o baluarte inexiste, finalmente. Ninguém reclama do cheiro desagradável. Lanfônesas costifúnculas esmerilham cabelécidos em plena bouca malditante, esforétidos maraquintinius! A bebedeira, a ebriedade, êxtase, enlevação, a embriaguez! Fiat lux! Circulam informações de cocheira sobre a nossa ração cultural diária. O balaustre é atingido, quase no fim da feira. Daqui ouço os milagres no palacete do tico tico: es muy bueno! Corruíras helioleitosas abrem o mar paraguayo.

Enquanto agonizo, pinto. Em rápidas pinceladas, porque o gambá do ano passado invade a minha sala, o exército inimigo bate à minha porta: correndo, perco as sandálias mas não perco o trocadilho. Atiro primeiro: se a vítima não rir, gastei bala zequinha em poeta de compota.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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