“Independência ou Morte” de Pedro Américo, 1886-88. Museu Paulista

Independence-of-Brazil-1888

Tenho certeza de que você já se deparou com esse quadro alguma vez. Esta é uma das imagens mais citadas no que concerne à história do Brasil. Ela está nos livros didáticos e nas ilustrações de revistas e jornais na ocasião de comemorações referentes ao 7 de Setembro. Com isso adquirimos familiaridade com esta figura dando a ela um “estatuto de verdade”.

Ao olharmos para o quadro, acreditamos que somos testemunhas do episódio que aconteceu em 1822. Não levamos em consideração o que está por detrás deste e de todos os demais quadros: a subjetividade do autor. Todo artista transfere para a sua obra características pessoais, seja na técnica da pintura ou no conteúdo representado. Tais características incluem não só a personalidade do artista, mas também o meio em que ele vive. Assim, um quadro é fruto de diversos fatores que vão além da verdade como “ela realmente aconteceu”. O objetivo deste post é mostrar quais podem ter sido as referências utilizadas por Pedro Américo para pintar o “Independência ou Morte” em 1886-88.

Para começar é importante pontuar que o 7 de Setembro não foi uma data considerada desde o início como marco da independência. Como vimos no post sobre esse tema, a data foi uma conveniência tardia. Segundo alguns historiadores que estudaram esse tema, não há documentação que mencione o tão famoso “grito”. Tanto nas correspondências oficiais, quanto nos jornais da época que relataram o processo de independência não houve citação do 7 de Setembro. Os textos publicados pelos meios de comunicação indicavam outras datas como marco da independência como, por exemplo, o Correio Brasiliense, que escolheu o 1 de Agosto, dia em que D. Pedro I enviou o Manifestos às Províncias do Brasil.

Além disso, o 7 de Setembro também não foi encontrado no relato do viajante Jean-Baptiste Debret*. No entanto, os episódios da Aclamação e da Coroação foram narrados e pintados pelo autor, sendo esse último escolhido para representar a fundação do Império. Tal quadro servia bem como imagem inaugural da fundação do novo país.

Jean-Baptiste Debret. Coroação de D. Pedro I, 1828. In: Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil.

Mas então, de onde surgiu o 7 de Setembro? Em 1826, a imprensa do Rio de Janeiro publicou a narrativa ocular do Padre Belchior Ferreira, na qual o 7 de Setembro ganhava um destaque particular. O relato ganhou força no imaginário popular, pois deu forma e voz à reivindicação paulista de ter sido palco dos principais acontecimentos que levaram à ruptura com o governo português. Além disso, o Padre Belchior apresentava D. Pedro de uma forma mais ativa, descrevendo-o como o responsável por quebrar os laços com Portugal. De certa forma, o relato deu espaço para uma visão heróica de D. Pedro, enaltecendo-o como o legítimo herdeiro dos Bragança que seria capaz de dar continuidade nas mudanças necessárias.

Essa foi a época então das representações majestosas de D. Pedro, inspiradas nas pinturas de Luís XIV, exaltando-se a monarquia e as bem-feitorias do monarca. François-René Moreaux retrata o episódio procurando legitimar o novo governo monárquico através de um ato divino. Diversos personagens estão olhando para o céu, de onde desce um raio de luz que ilumina a cena, enfatizando a ligação do evento com a providência divina.

François-René Moreaux. Proclamação da Independência, 1844. Museu Imperial de Petrópolis, Rio de Janeiro.

Nos anos 70 surgiu uma nova concepção de pintura, impulsionada pelo evento da Guerra do Paraguai. Agora era a vez de registrar e enaltecer a ação heróica. Em 1885, Pedro Américo teve a notícia de que ia ser construído um monumento memorial à Independência na colina no Ipiranga e o pintor se ofereceu para criar um painel para o interior do edifício. Após alguma resistência, a comissão o permitiu.

É muito clara a referência do quadro ao texto do Padre Belchior:

“O Príncipe diante da guarda, [arrancou] do chapéu o laço azul e branco (sic!), decretado pelas Cortes como símbolo da nação portuguesa, atirando-o ao chão, dizendo: – Laço fora soldados! Viva a Independência do Brasil! (…) desembainhou a espada, no que foi acompanhado pelos militares; os paisanos tiraram os chapéus. E D. Pedro disse: – Pelo meu sangue, pela minha honra, pelo meu Deus, juro fazer a liberdade do Brasil. – Juramos, respondemos todos! D. Pedro (…) ficando em pé nos estribos: – Brasileiros, a nossa divisa de hoje em diante será Independência ou Morte! Firmou-se nos arreios, esporeou sua bela besta baia a galopou, seguido de seu séquito, em direção a São Paulo”.

Pedro Américo compôs um quadro que valorizava a imagem de D. Pedro I como líder da Nação visando contribuir para a estabilização de um império em crise. Olhemos o quadro: Em segundo plano D. Pedro I levanta a sua espada, em ato simbólico de rompimento com os laços que uniam Portugal e Brasil, seguido por cavaleiros de seu séquito, que saúdam o gesto acenando com chapéus e lenços. No canto inferior esquerdo vemos um caipira que pára o seu carro de boi para observar a cena histórica que acontece no alto da colina. É essa figura que determina onde nós (observadores) temos que centrar

1- Pedro é representado num patamar mais elevado do quadro dando a entender que ele é um estadista que não mede esforços e sacrifícios para realização de seu ideal, ou seja, é representado como um herói. Frente a frente com D. Pedro há um cavaleiro da sua Guarda de Honra que responde ao Príncipe arrancando de sua farda o laço vermelho e azul que simbolizava a união de Portugal e Brasil.

Pedro Américo deu grande movimento ao quadro, principalmente ao lado direito que corresponde aos cavaleiros da Guarda expressando um misto de ansiedade e tensão que precedeu à proclamação da independência, assim como o entusiasmo com que foi recebida.

No quadro vemos, portanto, representado o desfecho dramático de um acontecimento histórico, concebido como resultado da bravura de um só homem acompanhado da elite e do exército. O “povo brasileiro” representado pelo caipira simplesmente assistiu a tudo o que estava acontecendo.

O quadro contradiz com o momento em que o Brasil estava vivendo. Na década de 1880, o Imperador doente e esgotado lutava para manter vivo um Império em crise. O quadro veio como uma forma de compensar a realidade que saia do controle, sendo bem-vindo naquele momento como uma busca de revitalização da figura do imperador. Assim podemos dizer que o quadro nos diz muito mais sobre o contexto político e social das últimas décadas do século XIX do que da fidelidade aos eventos que levaram à Independência do Brasil.

*Os viajantes eram homens estrangeiros que vinham para as “terras desconhecidas” e montavam uma espécie de diário sobre as características físicas, culturais e sociais desses países. Os seus trabalhos são uma importante fonte de estudos para os historiadores, já que são registros escritos contemporâneos. Jean-Baptiste Debret foi um dos mais importantes viajantes. Veio para o Brasil como a Missão Artística Francesa em 1816 e aqui permaneceu até 1831.

Texto baseado no artigo de Claudia Valladão de Mattos com o título: “Independência ou Morte!” de Pedro Américo: reflexões sobre a construção do imaginário da Independência do Brasil no século XIX.

Paula de Almeida Franco

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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