Intelectuais de Curitiba

Por onde trafegam os intelectuais curitibanos? Ou a pergunta faria melhor sentido se modificada para existem, realmente, intelectuais curitibanos? Esclareço que essa especulação me veio à mente há anos ao ler num ensaio do filósofo francês Bernard-Henry Levy, figura ao mesmo tempo elogiada e execrada, uma frase que passei a considerar emblemática: “Acredito que a presença de intelectuais numa cidade moderna é uma chave da democracia”.

A referência de BHL eram os intelectuais franceses do pós-guerra, grosso modo divididos entre esquerda e direita, colaboracionistas ou adoradores do stalinismo recém-instalado em extenso território dominado pelo regime soviético.

Nos anos 20 e 30 do século passado, como em qualquer outra cidade culta e democrática (perspicaz a observação do filósofo), havia alguns pontos de encontro dos intelectuais. Em Buenos Aires, de quem sempre ouvi dizer ter mais livrarias que o Brasil inteiro, a fina flor da cultura se reunia no famoso café Richmond, na calle Florida. Lá podiam ser vistos e ouvidos Jorge Luis Borges, Adolfo Bioy Casares, Silvina Ocampo, Cansinos-Assens, Xul Solar e estreantes como Julio Cortázar, entre tantos outros intelectuais e artistas que faziam da vida literária portenha uma autêntica festa.

A tradição fora herdada de Macedonio Fernández, que por muitos anos animara um encontro semanal de intelectuais num café da zona leste de Buenos Aires, no qual as conversas varavam as madrugadas.

Naquele tempo, Curitiba já era uma cidade moderna para os padrões da época (penso que também democrática) e, decerto tinha lá sua intelectualidade que se encontrava, amiúde, em local apropriado para a boa conversa sem compromisso. É provável que em algum café ou restaurante, embora a descoberta do nome e endereço do dito local demande alguma pesquisa mais elaborada que o escriba, por preguiça e acomodação, repassa a algum espírito mais seduzido pelos tesouros do tempo.

Listar os intelectuais daquela época talvez não seja tarefa difícil diante do bom número de personalidades que se destacam pelo saber, a exemplo de Bento Munhoz da Rocha Neto, Temístocles Linhares, De Plácido e Silva, David Carneiro, Reinhardt Maack e João José Bigarella, para citar uns poucos.

Nos anos 80, esse panorama já havia mudado radicalmente e também seus protagonistas e, dentre os locais preferidos pelos intelectuais pintaram alguns que se tornaram ícones curitibanos como a Confeitaria das Famílias, o Bar Cometa e, mais tarde, o Bife Sujo. Não tenho, contudo, informações seguras sobre se os intelectuais eram atraídos para os mesmos pontos, ou já naquele tempo se dividiam em indefectíveis panelinhas. Devo acrescentar a esse grupo também o pessoal do teatro e da música popular, dentre os quais pontificavam Maurício Távora, Sale Wollokita, Oraci Gemba, José Maria Santos, Lala Schneider, Yara Pedrosa, Lota Moncada, Denise Stoklos e, presumo, o sambista Lápis, que se não tivesse morrido tão jovem teria alcançado sucesso nacional.

Do lado dos intelectuais empregados nos jornais, aproveitando para citar outra conclusão cerebral de BHL (o trabalho jornalístico, forma mais acabada da atividade intelectual), em agências de publicidade e até no cinema, numa vertente paralela à literatura, não se pode esquecer Walmor Marcelino, Jamil Snege, Paulo Leminski, Paulo Vitola, Oscar Milton Volpini, Manuel Carlos Karam, Wilson Rio Apa, incluindo o aclamado cineasta Silvio Back.

Meu testemunho pessoal não poderia faltar nessa crônica, sobretudo pelo grande número de profissionais do jornalismo com quem convivi (e aprendi) em redações ou assessorias de imprensa, tais como Mussa José Assis (que me deu o primeiro emprego em Curitiba), Renato Schaitza, Adherbal Fortes de Sá Neto, Francisco Camargo, Walter Schmidt e Celso Nascimento.

Repito a pergunta inicial e concluo que mesmo sendo difícil localizar um intelectual curitibano, eles existem. No campo do romance (ao menos) estamos representados de forma excelente por Cristóvão Tezza (nascido em Lages, SC, mas curitibano por opção) e o falecido Wilson Bueno, publicados por editoras de grande expressão no mercado livreiro. O mesmo ocorre com Domingos Pelegrini (Londrina) e Miguel Sanches Neto (Ponta Grossa), os escritores paranaenses com visibilidade nacional.

Tezza tornou-se um dos romancistas mais premiados e requisitados do país, com pelo menos uma obra (O filho eterno) já traduzida para o francês.

A velha guarda (com todo o respeito) ainda está atuante entre nós e os exemplos de Dalton Trevisan (o mais celebrado dos autores paranaenses e figura internacional) e João Manuel Simões são os que imediatamente brotam na memória. Infelizmente perdemos Noel Nascimento, mas ainda podemos contar com as recentes contribuições de Milton Ivan Heller no campo da historiografia.

Temos o compromisso de ler o que esses intelectuais escreveram, pois só então poderemos avaliar a profundidade de seu legado e, se foram capazes de transmitir pelo dom da escrita em prosa, verso, crítica ou ensaio, a visão universalista que também floresce na aldeia.

Comecei e concluo com Bernard-Henry Levy (um dos muitos secretários de Jean-Paul Sartre) para quem o legítimo intelectual não tem cheiro e nem cor: “Se lhe perguntam de onde é, de onde vem e ao que, exatamente, pertence, ele é aquele que muitas vezes, terá a tentação de responder no tom de Saint-John Perse diante do oficial de imigração americano que lhe rogou em 1940, declarar seu sobrenome, nome, domicílio e qualificação: habito meu nome, sou de minha língua, não tenho outra verdadeira pátria a não ser a de minhas idéias e só me reencontro verdadeiramente nas famílias de espírito que escolhi”.

ivan schmidtBlog do Zé Beto

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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