Jairo Nascimento

Um anjo negro partiu nesta semana em que a vida de crianças, com o sonho que ele realizou, foram ceifadas pelo fogo e, muito provavelmente, pela irresponsabilidade dos adultos. Ele era enorme no tamanho e tinha uma alma tão leve que o fazia flutuar não apenas nos voos das defesas espetaculares que encantaram multidões.

Andava silencioso, com o olhar infalível dos raros que têm entendimento total com a bola de futebol que foi a razão da sua vida – e o sorriso era de quem sempre esteve de bem com o que interessa na vida. Ao filho que tem a honra de carregar o nome, disse que não precisava ser próximo do jogador que começou no Caxias de Joinville; passou rapidamente pelo Fluminense, veio se consagrar no Coritiba e virou ídolo no Corinthians, quebrando uma daquelas tradições malucas deste mundo esportivo – a de que um goleiro negro não dava certo naquele espaço vital onde, reza outra lenda, não nasce grama. Chegou à Seleção Brasileira; voltou ao Coritiba para participar da conquista do inédito título de campeão brasileiro; ainda rodou por outros clubes até os 44 anos e foi ser Jairo Nascimento sempre, até ser derrotado por uma doença nesta semana triste. Foi ser o anjo negro a mostrar a crianças de Araucária e Agudos do Sul, onde as treinou em escolinhas, o que vale na vida, além de se persistir com afinco na caminhada de um ideal. Os meninos que ele treinou e certamente deixou a lição, eram desses que não aparecem, abandonados; enfim, sem pai, mãe ou família. Certa vez, ele já aposentado dos campos, mas vivo na memória, me veio a história do que fazia no seu início de trajetória estelar no Coritiba. Visitava uma pensão na rua XIII de maio, onde moravam os pobres da cidade. Ali tinha um amigo torcedor, mas fazia questão de passar energia positiva, aquela revelada até o fim no seu sorriso puro como uma flor para uma mãe esquizofrênica e uma menina ainda pequena – que nunca esqueceu isso- ela hoje avó. O anjo negro sempre foi revelador. Saber que ele foi levado de Joinville para o Rio de Janeiro pelas mãos de um dos grandes exemplos de caráter, apenas reforça tudo. João Saldanha, o João Sem Medo, o queria no Botafogo depois de vê-lo atuar no time catarinense que lhe abriu as portas para fazer ser o grande atleta. Não deu certo, mas deu certo, como acontece com os predestinados. Num salto do tempo, vê-lo na última aparição na televisão não era se deparar com alguém com o mal terrível, porque nos olhos, no sorriso e no falar, era alguém que soube viver plenamente, como deve ser. Outro salto no tempo, para trás, ele carregando, ao lado de Rafael Camarota, a taça de campeão brasileiro em 1985. Rafael foi santificado como o goleiro que deu o título ao time, e demonstrava isso no semblante, na sua maneira de ser. Na outra asa da taça, Jairo era o Jairo, a felicidade de quem cumpriu sua missão, porque começou como titular daquele time e ajudou na conquista. Na igreja evangélica onde o corpo dele foi velado, uma multidão foi homenageá-lo.

Era o povo, esse sofrido povo – e a maioria teve a felicidade de conhecê-lo dentro e principalmente fora do campo. O choro da maioria, principalmente dos que fazem parte de sua bela família, era o do sentimento de alguém muito especial que partiu antes do tempo. Mas todos sabem que o Anjo Negro ficará para sempre.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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