Juízes, ‘juízes’ e o auxílio-peru

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Pois é, há Juízes com J maiúsculo e há juízes minúsculos. Vejam esta. Deu no site da Gazeta do Povo (mas também na Folha e no site O Antagonista): “Enquanto 221.604 servidores e aposentados do Rio ainda aguardam o pagamento do salário de setembro, o Tribunal de Justiça do Estado depositou na terça (14) R$ 2 mil a juízes e servidores a título de abono de Natal”.

O benefício, que é conhecido como “auxílio-peru”, nada tem a ver com o 13º salário. Foi criado em 2007 e é pago a magistrados e a todos os servidores do Judiciário, já beneficiados em relação a outras categorias no cronograma de pagamento de salários do Estado. Mas foi justificado por s. exª. o ínclito presidente do egrégio TJ/RJ, desembargador Milton Fernandes: “Diante da crise financeira pela qual passa o Estado, seria um desestímulo muito grande aos servidores suspender o abono justamente neste momento”.

Uma questão de justiça, não é excelência?!

Graças ao céus, nem todos os juízes deste país pensam assim.

No Maranhão de José Sarney, o juiz auxiliar de entrância final Carlos Roberto Gomes de Oliveira Paula requereu na última segunda-feira à presidência do TJ/MA a renúncia ou desistência dos auxílios relativos a moradia, saúde, alimentação e livro. O magistrado argumentou que os benefícios são vedados pela CF e que se sente incomodado com as justas críticas da população quanto aos “penduricalhos” que recebe. Sem solução do impasse pelo Supremo, pediu a renúncia dos auxílios.

O magistrado realçou que, de acordo com a norma constitucional do art. 39 § 4º, o magistrado é remunerado exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de gratificação. O subsídio, por sua vez, deve ser fixado por lei específica de iniciativa da presidência do STF, como determina o art. 37, incisos X e XI da CF.

E aduziu que o fato do subsídio dos magistrados não ter sido reajustado, não justifica a compensação com a concessão das verbas auxiliares.

O doutor Gomes de Oliveira Paula não é o único integrante da magistratura brasileira ou do Ministério Público a pensar assim. Nem foi o primeiro a desistir dos ditos “auxílios” suplementares.

Em outubro de 2014, o doutor Celso Fernando Karsburg, do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região em Santa Cruz do Sul, no Vale do Rio Pardo, Rio Grande do Sul, já anunciara que estava abrindo mão do vale moradia, pois considerava a medida “indecente e antiética”. Ele concorda que o salário na magistratura está defasado, mas afirmou que o benefício, estendido a toda a classe por meio de liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) e regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é uma maneira incorreta de repor perdas salariais. Lembrou que o auxílio-moradia é previsto na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) desde 1979, mas apenas em casos onde o juiz precisa se estabelecer longe da comarca de origem.

Em Joinville, SC, o procurador da República David Lincoln Rocha também recusou-se a receber o auxílio-moradia a que faria jus. E não fez segredo da sua opinião:

“Brasil, um país onde não apenas o rei está nu. Todos os poderes e instituições estão nus, e o pior é que todos perderam a vergonha de andarem nus. E nós, os procuradores da República, e eles, os magistrados, temos o vergonhoso privilégio de recebermos R$ 4.300,00 reais de ‘auxílio moradia’, num país onde a Constituição Federal determina que o salário mínimo deva ser suficiente para uma vida digna, incluindo alimentação, transporte, moradia, e até lazer”.

E continuou: “Então, no serviço público, nós, procuradores da República, e os magistrados, teremos a exclusividade de poder conjugar nas primeiras pessoas o verbo morar. Fica combinado que o resto da choldra do funcionalismo não vai mais ‘morar’. Eles irão apenas se ‘esconder’ em algum buraco, pois morar passou a ser privilégio de uma casta superior. Tomara que Deus não exista…”

Justificou: “Penso como seria complicado, depois de minha morte (e mesmo eu sendo um ser superior, um procurador da República, estou certo que a morte virá para todos), ter que explicar a Deus que esse vergonhoso auxílio-moradia era justo e moral. Como seria difícil tentar convencê-Lo (a Ele, Deus) que eu, defensor da Constituição e das leis, guardião do princípio da igualdade e baluarte da moralidade, como é que eu, vestal do templo da Justiça, cheguei a tal ponto, a esse ponto de me deliciar nesse deslavado jabá, chamado auxílio-moradia.

“Tomara, mas tomara mesmo que Deus não exista, porque Ele sabe que eu tenho casa própria, como de resto têm quase todos os procuradores e magistrados e que, no fundo de nossas consciências, todos nós sabemos, e muito bem, o que estamos fazendo. Mas, pensando bem, o inferno não haverá de ser assim tão desagradável como dizem, pois lá, estarei na agradável companhia de meus amigos procuradores, promotores e magistrados.

“Poderemos passar a eternidade debatendo intrincadas teses jurídicas sobre igualdade, fraternidade, justiça, moralidade e quejandos. Como dizia Nelson Rodrigues, toda nudez será castigada!” – completou. Será, excelência? V. Exª., tristemente, é apenas uma das honrosas exceções.

Célio Heitor Guimarães

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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