Sessão da meia-noite no Bacacheri

O bordel L’Apollonide está vivendo seus últimos dias de funcionamento no início do século 20. Mas é neste mundo reservado que muitos homens se apaixonam e se entregam, tornando-se muitas vezes dependentes das “companheiras”, com quem dividem seus segredos, medos, dores e, claro, o prazer. Direção de Berthrand Bonello, 2h 02min, França, 2011, L’Apollonide – Os Amores da Casa de Tolerância.

Beleza Triste

“Não devia fazer nada de mau gosto, advertiu a mulher da pousada ao ancião Eguchi. Não devia colocar o dedo na boca da mulher adormecida nem tentar nada parecido”, diz o japonês Yazunari Kawabata, vencedor do Prêmio Nobel, na obra A Casa das Belas Adormecidas. O trecho aparece na epígrafe de Memória de Minhas Putas Tristes, um dos mais belos livros de Gabriel García Márquez. As duas obras possuem uma ligação muito interessante com L’Apollonide – Os Amores da Casa de Tolerância, principalmente pela forma delicada e sensível com que tratam jovens que ganham a vida se prostituindo.

A tal “casa de tolerância” do título é um bordel de luxo na Paris do final do séculoXIX/início do XX, em que uma série de garotas trabalham na esperança de juntar dinheiro ou conhecer um homem rico para lhes tirar de lá. Se você espera um filme-denúncia que traz as prostitutas como vítimas de uma sociedade opressora, prepare-se para ficar surpreso. Aqui, o que importa é o dia a dia de tais jovens que, sim, passam por momentos de dificuldade, mas que também encontram tempo para se divertir e para construir um vínculo de amizade e cumplicidade umas com as outras.

A história é muito triste, é verdade, mas em nenhum momento cai no melodrama. Aborda o ponto de vista das moças que sonham em um dia deixar tal trabalho e pagar suas dívidas com a “dona da casa” – aqui vivida pela talentosa Noémie Lvovsky (Copacabana). Falando na figura da cafetina, é curioso como esta é tratada também fugindo dos clichês da “senhora aproveitadora”. Ela trata sim de um negócio, mas não deixa de se preocupar com suas funcionárias, ao mesmo tempo em que cria duas crianças neste inusitado ambiente.

L’Apollonide é um belíssimo filme, contando com um visual rigoroso e uma ambientação impressionante. As jovens e belas Céline Sallette, Adèle Haenel, Iliana Zabeth, Hafsia Herzi e Jasmine Trinca são muito mais do que colírios para os olhos masculinos. Juntas, compõem um elenco de muita força e vigor. Quem também brilha é Alice Barnole, que com sua Madeleine mostra o lado mais doloroso da profissão, que é se entregar de corpo e alma para um sujeito que pode ter as piores intenções. Em um mundo em que muitas escondem sua tristeza, Madeleine é obrigada a ficar sempre sorrindo.

Dirigido por Bertrand Bonello (O Pornógrafo), o longa não possui uma cronologia fixa, mas consegue sempre seguir em frente, mesmo quando utiliza-se de um flashback. O cineasta, de forma delicada, usa diversas vezes a técnica de dividir a tela em quatro partes, mostrando rapidamente o que se passa com várias personagens. O truque de montagem surge de forma natural e sem trauma para o espectador.

A fotografia de Josée Deshaies cria todo o seu charme em cima dos detalhes, sendo auxiliada por notáveis figurinos, cenários e maquiagens. A produção mostra muitas vezes as garotas se preparando para mais uma noite de trabalho e o faz de forma sutil, colocando-as quase como atrizes prestes a entrar no palco. Não se trata de um filme fácil, mas é um que merece (muito) ser visto.

Lucas Salgado

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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