Leis, salsichas e o projeto de lei 3453/08

Uma comissão de deputados da câmara dos deputados visita estados brasileiros falando sobre o projeto de lei 3453/08. O projeto trata de uma emenda à atual lei de licitações (8.666/93) criando um apêndice no artigo 116 que trata de convênios, ajustes e acordos, com o tema das parcerias público privadas, de caráter oneroso, isto é, de obrigações essencialmente contratuais.

Neste passo, a emenda aditiva, isto é, que se agrupa aos convênios e acordos está colocada como se fosse um mero acordo, sem bilateralidade financeira, quando na verdade, o que se pretende é hipotecar à título de altíssimos investimentos os orçamentos públicos, e onerando o contribuinte com novas e intermináveis tarifas públicas.

O discurso está construído em dois fundamentos, o primeiro da necessidade de dotar o país de infraestrutura, e o outro, oculto, o de hipotecar os orçamentos públicos a longo prazo, com investimentos nos quais o povo irá pagar ao longo de décadas por meio de tarifas das mais variadas, em resumo, a privatização da infraestrutura às custas dos dinheiros do povo, mas sem consultá-lo ou preveni-lo.

Os investidores poderão ser estrangeiros, num processo de desnacionalização das empresas nacionais, e os bancos, imaginemos a rentabilidade, muito maior que a do mercado financeiro, cujos juros são os mais caros do mundo.

Quem tem medo da fiscalização e do controle?

Nos discursos da referida comissão de deputados, aplaudido pelos locais, fala-se em simplificação dos procedimentos, ausência de fiscalização, pois o ministério público e os tribunais de contas sempre atrapalham os investimentos, e digamos melam os certames, atrasam as obras e não deixam as coisas fluírem….

Realmente, o projeto prevê dentre outras coisas um teste seletivo simplificado para a escolha dos parceiros privados e tudo destravado, inclusive excluindo as demandas do Poder Judiciário, por meio de arbitragens privadíssimas. Junto ao ministério público e os tribunais de contas está o poder judiciário, outro grande empecilho para os empreendedores, justamente ao gosto dos escritórios de advocacia que assessoram os empreendedores e se apresentam como os estudiosos da matéria.

Com efeito, a atual lei de licitações está na iminência de ser revogada pelo PL 1292/95 que possui 239 apensados, portanto a emenda jacaré do referido PL 3453/08, na atual lei de licitações, é temerária. A propósito, emenda jacaré é aquela que aparece num ponto do rio e, de repente, surge aprovada, segue sorrateira nas profundezas do pântano legislativo.

Nesta discussão da lei de licitações estão coisas que não interessam ao PL 3453/08 quais sejam: seguro-garantia e novas tipificações de crimes em licitações, por isso, a inclusão das PPPs num artigo à parte, caracterizando-as como convênios e não como modalidade de licitação.

 O PL 3453/2008 possui doze apensados, dentre os quais o PL 7063/2017 que vincula valores de 20 milhões para a União, 10 milhões para os estados e 5 milhões para os municípios, valores bastante expressivos para meros convênios e certames simplificados.

O apenso, PL 2819/2008, assevera a extensão do mecanismo jurídico às organizações não governamentais, às organizações sociais e às organizações da sociedade civil de interesse público.

Ocorre que no projeto de lei das licitações há a proibição da participação de parentes dos administradores, coisa que impediria aquele conhecido expediente dos parentes de políticos ou autoridades possuírem as suas ONGs para vencer processos seletivos simplificados, daí sua discussão em apartado.

Discussões regionais não passam pela consulta do povo, este que é e será o grande pagador de tudo isso, cada vez mais onerado.

Nem muito menos passa pelo crivo popular a discussão sobre as longas hipotecas dos orçamentos públicos, a exemplo dos países que a comissão de deputados cita com toda pompa e circunstância: a Inglaterra (sic), a França e outros países do velho mundo, cujos orçamentos são muito bem discutidos pela população e, rigidamente, fiscalizados.

Em resumo, vamos a uma frase atribuída a Otto von Bismarck, “os cidadãos não poderiam dormir tranquilos se soubessem como são feitas as salsichas e as leis.”

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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