Leituras de Bravo!

Não houve apenas Machado.
Houve Rosa. E Graça.

O estro que o transformaria no maior escritor brasileiro do século 20 já pode ser detectado nas anotações que João Guimarães Rosa, então cônsul-adjunto do Brasil em Hamburgo, fazia sobre a Segunda Guerra Mundial.

Palavras de Guerra é o título da reportagem de capa, assinada por Mariana Delfini na revista Bravo! (fevereiro de 2008). As chamadas de capa, ao lado da foto do escritor, destacam a importância da matéria: “A 2ª Guerra vista por Guimarães Rosa” e
“Uma impressionante crônica do nazismo no diário inédito do escritor”.

Na Carta do Editor, João Gabriel de Lima, diretor de Redação, diz que
“Bravo! teve acesso a um dos segredos mais bem guardados da literatura brasileira”.

Eis faísca do repúdio exalado pelo escritor, ao testemunhar a perseguição aos judeus em meio aos registros de bombardeios:

“26 de setembro de 1941, sexta-feira: passeei de automóvel com Ara. Passamos na Grindelberg. A venda dos judeus. Até crianças de quatro anos, ou menos, com distintivo amarelo. Infamante. 22 de outubro de 1941: judias chorando no Consulado, por terem recebido a ordem de evacuação de Hamburgo para o dia 24. Horrível.”

Sem ressentimento

O autor do romance Grande Sertão: Veredas, sua obra de referência capital, escreveu o diário, ainda inédito em livro, entre 1939 e 1941, de fato, como lembra a reportagem, vários anos antes da publicação do primeiro livro, Sagarana (1946). Mas o livro já tivera uma primeira versão em 1938!

A propósito de Sagarana, observadores descuidados gostam de lembrar um terrível engano de Graciliano Ramos, que, num concurso, teria, por inveja e outros sentimentos mesquinhos, votado contra Sagarana. Ao contrário, ensejou um momento de grandeza entre dois escritores igualmente talentosos, pois o episódio do concurso foi esclarecido numa conversa que os dois tiveram em 1944, quando o mineiro foi apresentado ao alagoano. Eis o relato de Graciliano, em crônica intitulada Conversa de Bastidores:

— O senhor figurou num júri que julgou um livro meu em 1938.

— Como era o seu pseudônimo?

Viator.

— Ah! O senhor é o médico mineiro que andei procurando.(…) Fiz camaradagem rápida com o secretário de embaixada. Sabe que votei contra o seu livro?

— Sei – respondeu-me sem nenhum ressentimento.”

Destaque indevido

E prossegue:

“Achando-me diante de uma inteligência livre de mesquinhez, estendi-me sobre os defeitos que guardara na memória. Rosa concordou comigo. Havia suprimido os contos mais fracos (…). Vejo agora, relendo Sagarana (Editora Universal – Rio – 1946), que o volume de quinhentas páginas emagreceu bastante e muita consistência ganhou em longa e paciente depuração. Eliminaram-se três histórias, capinaram-se diversas coisas nocivas.”

A transcrição é necessária, pois de vez em quando Graciliano Ramos, que foi perseguido e preso justamente por suas convicções, tem seu nome trazido à baila na evocação do tal concurso, em comentários injustos, que ignoram o entendimento que os dois escritores tiveram acerca do episódio.

Que nossas efemérides literárias não nos sirvam para lembrar uns poucos e esquecer todos os outros.

Neste 2008, lembramos o centenário da morte de Machado de Assis e os 400 anos do Padre Vieira, mas não nos esqueçamos da verdadeira mina de ouro que é a literatura brasileira, que tem no escritor que é matéria de capa da revista Bravo! um de seus mais altos valores. Parabéns à Bravo!, que deu capa a um escritor brasileiro, coisa muito rara em nossa mídia!

Infelizmente, nossas riquezas são mal exploradas, por motivos mais do que conhecidos, sendo o principal a mania de a mídia dar destaque indevido a quem acha que tudo o que vem de fora é melhor do que o que fazemos.

À semelhança do que ocorre no turismo, há sempre quem descubra um lindo lugar no mundo. E nenhum no Brasil!

Há vários séculos, quem descobre o Brasil são os estrangeiros. Inclusive na literatura!

Deonísio da Silva, em 19/2/2008

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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