Leminski, por Ernani Buchmann

© Alberto Melo Viana

Não sei bem se Paulo Leminski podia ser chamado de publicitário. Ele mesmo não se considerava. Nunca escondeu que escrevia anúncios para sobreviver, como muitos escritores. Aqui no Brasil, Domingos Pellegrini, Luis Fernando Verissimo, João Ubaldo Ribeiro, Antônio Torres, Ricardo Ramos, entre outros. O Polaco era um agitador, isso sim.

Enlouquecia a criação das agências em que trabalhou, polemizando sobre qualquer assunto. Isso desde a PAZ, no início dos anos 70 à Exclam, até o final de 1987. Era um redator diferente. Não criava para televisão, por exemplo. No máximo, escrevia textos para locução em off. Sobre a idéia do filme, nada: alguém que tivesse uma. Já com relação à mídia impressa, sua especialidade, matava a pau. Foi assim ao criar o título que considerava sua melhor sacada publicitária: A Galvão acha fácil o imóvel que você acha difícil. O sentido duplo do verbo, criando o jogo de palavras, é a cara dele. Nos últimos tempos, já admitia que não conseguia mais se concentrar.

Escrevia em pé, como se estivesse de passagem pela máquina de escrever, naquela época em que ainda não se trabalhava em computadores. Iam longe os anos em que trabalhava em casa, ao lado da Alice – ambos redatores, cada um criando para uma agência diferente. Era assim que se sentia melhor, sem precisar cumprir o doloroso ritual do expediente. Nas agências pelas quais passou sempre conseguiu impor sua vontade de não trabalhar pela manhã, até o mercado exigir período integral.

Foi quando o chamei para dizer que a direção da agência havia exigido que passasse a chegar cedo. No dia seguinte, fiquei comovido. Ao entrar na minha sala, ainda com as janelas cerradas, luz apagada, em pleno inverno, vi um vulto. O vulto e a brasa do cigarro. Era ele, pouco depois das 8h. Deu aquela risadona mostrando os cacos dos dentes quando acendi a luz e berrou como se estivesse num bar – Leminski falava muitos decibéis acima: – Lá em casa o toque da alvorada é cedo! Em seguida, puxou aquele chumaço de papel jornal com a produção poética da madrugada. Era a rotina: passava o dia entregando seus mais recentes poemas para avaliação, fosse quem fosse o interlocutor.

Deu conta do expediente matinal por um ou dois meses. Então desistiu. Já sofrendo com a cirrose que viria matá-lo, nem sempre passava bem. Não era para menos. O Polaco bebia em turnos de 24 por 24 horas, dormindo nos intervalos. Na noite em que morreu, havia uma multidão na ante-sala da UTI. Quando veio a notícia, fui ao orelhão do corredor, ligar para algumas pessoas. Comecei pelo Solda. Não consegui falar. Nem eu disse nada, nem ele perguntou. Não precisava. Ficamos em silêncio, acho que deixei o telefone lá pendurado. Mesmo porque pendurados ficamos todos.

Este texto é uma homenagem que o Clube de Criação do Paraná prestou ao Paulo, publicado na edição do Anuário de 2006.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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