Linguagem telegráfica (ou “PT saudações”)

Dizem que um dos indicadores da chegada da velhice é a morte dos ídolos, das pessoas que marcaram fortemente a nossa infância ou a formação do nosso caráter.Não foi um desses fatos, no entanto, o que nesta semana me fez sentir de perto a inexorável chegada da vetustez. O “toque” me foi dado pela mensagem do leitor Graziano L. de Melo, que quer saber se a expressão “PT saudações” (que alguns grafam “PT, saudações”,  diz ele) tem alguma relação com a chegada do Partido dos Trabalhadores ao poder. “É meio intuitivo o significado, mas donde surgiu isso?”, pergunta o leitor.

Caro Graziano, o PT já foi culpado de tudo neste país, mas o partido de Lula nada tem que ver com “PT saudações”. É claro que muitas vezes essa expressão é usada no jornalismo político com dupla intenção, mas a origem da frase passa longe do ABC paulista, berço do partido. Seu uso remonta ao tempo do telegrama, meio de comunicação em franco desuso hoje em dia. Foi justamente isso o que me fez sentir a “velhice”. Em tempos de satélite, celular e correio eletrônico, o telegrama é um brontossauro. Seu uso tem se limitado a mensagens solenes, quase sempre fúnebres.

O telegrama (palavra formada pelos elementos gregos “tele-“, que significa “ao longe”, e “-grama”, que significa “letra”, “texto escrito”) não comporta ponto final, vírgula, ponto-e-vírgula, acento, til etc. No lugar do acento agudo, coloca-se um “h” (para que não se confunda “e” com “é”, por exemplo, “é” vira “eh”). No lugar de uma vírgula, coloca-se “vg”; no lugar de um ponto, “pt”. E paga-se por isso, porque o telegrama é cobrado pelo número de palavras que constituem a mensagem, a começar pelo nome e endereço do destinatário.
Quem precisa ser claro num telegrama emprega “vg”, “pt” etc. (e gasta mais, já que por “vg” se paga uma palavra, por “pt”, mais uma e assim por diante).

É famosa a história de um soldado que recebeu um telegrama logo depois de ter sido convocado para a guerra. Era este o texto: IRAS VOLTARAS NAO MORRERAS”. Percebe-se que quem o enviou preferiu economizar a ser claro. O soldado fez a leitura que lhe convinha: “Irás. Voltarás. Não morrerás!” (ou “Irás, voltarás, não morrerás”). Mal sabia ele que a mensagem original era esta: “Irás. Voltarás? Não! Morrerás!”. Descobriu de onde vem a expressão “PT saudações”, caro Graziano? Vem de onde vem a expressão “linguagem telegráfica”, usada para caracterizar textos escritos com frases curtas, muitas vezes mal articuladas. Nos telegramas, a economia impunha a pura e simples exclusão de preposições e conjunções (“Saio Itália domingo passo Portugal chego Brasil sexta pt saudações.)

O telegrama talvez tenha morrido, mas a linguagem telegráfica… Nos jornais, por exemplo, não faltam exemplos de seu emprego. A ânsia pela frase curta é tanta que gera uma construção como esta, lida num telejornal: “Disputado no Ibirapuera, Guga enfrentou o argentino X pelo Torneio Y…”. Não, caro leitor. Guga não foi disputado por ninguém. Nem preciso explicar. Você certamente já entendeu. É isso.

Pasquale Cipro Neto (Folha de São Paulo, dezembro, 2002)

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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