Louca, frígida e neurótica

Ele apenas me disse: ‘Vai, corre, você não dá conta mesmo’

Essa semana dei uma entrevista sobre meu livro “Depois a louca sou eu” (que é de 2017, mas o programa de rádio resolveu colocar na lista das novidades), e o apresentador me pediu que contasse três casos em que fiquei, sem merecer os “louros”, como a maluca da história.

Primeiro me lembrei de uma agência de publicidade onde trabalhei por uns dois anos. Lá eu tinha um colega que deveria dividir as criações comigo, mas insistia em ignorar todas as minhas ideias e entrava constantemente na sala do nosso chefe pedindo para, pelo amor de Deus, ter como par um “homem mais velho e premiado”.

Um dia passei mal com uma febre altíssima, quase desmaiei no banheiro, e decidi ir embora para casa. Quando eu estava de saída, o infeliz lançou um: “Vai, corre, você não dá conta mesmo”.

Ele nunca me ofendeu com palavrões vociferados ou cravou uma caneta Bic no meu olho, então, para quem nos assistia, ele era gente boa. Mas sorrateiramente, através de sutis ironias que me desmereciam, de olhares arrogantes de desaprovação e de tentativas muito maquiavélicas e refinadas de exterminar minha existência, ele era um tremendo babaca.

A segunda história é sobre um namorado das antigas que era bem pouco afeito a beijos e intimidades. Ele dava umas três estocadas de língua mole no meu céu da boca e achava que estava ótimo e que já podíamos transar. Eu dizia: “Eita, calma, peraí”, e ele respondia coisas como: “Poxa, meu pau duro já não basta pra você?”.

Óbvio que não. Aliás, era pior do que não ser suficiente, era como se, ao presenciarem aquela absoluta falta de conexão e empatia com minha pessoa desnuda, minha libido, meu clitóris, minha vagina e toda a possível umidade do meu corpo resolvessem ir para a China sem me avisar e sem data de retorno.

Ele tentava me convencer de que eu era frígida, mas os romances que tive antes dele (e muitos ainda não sabidos que eu teria depois) sempre surgiam em minha memória nessa hora e faziam o maravilhoso coro: “Ah, mas não meeeesmo, viu!”.

A terceira história aconteceu há pouco tempo, com uma prima do meu pai. Ela passou uma tarde na minha casa, falando sem parar sobre si mesma e jamais perguntando qualquer coisa sobre qualquer outra pessoa, e depois mandou um áudio para ele me detonando, dizendo que estava preocupadíssima com a maneira doentia como eu estava criando a minha filha.

Então ela listou a minha escandalosa e revoltante neurose: dar banho quente, dar de mamar, colocar casaco quando esfria, pedir silêncio para o bebê dormir, dar colo, manter a casa limpa, preferir alimentos saudáveis, proteger o bebê de mosquitos, amar, ser mãe.

Não é preciso ter lido nem um parágrafo do Freud para saber a diferença que faria na vida dessa senhora se ela tivesse recebido ao menos alguns desses cuidados em sua infância. Mas, claro, a neurótica sempre sou eu.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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