Marinho Gallera, em 3 tempos

Mário Amadeu Gallera, o Marinho, nasceu em Araraquara, no interior paulista, seis anos depois de seu irmão, Mário Sérgio Gallera. Ambos passaram seus anos verdes naquele tempo em que o telefone ainda não havia chegado à cidade e todo mundo se tratava pelo nome. 

Todos conheciam Seu Amadeu Gallera, o pai de Mário Amadeu e Mário Sérgio, casado com Dona Adelina Dorsa Gallera. Ele era o dono da Farmácia Minerva, que abria as portas para a rua 9 de Julho, a popular Rua 2. No mesmo terreno, nos fundos, ficava a primeira casa da família. Anos mais tarde, a família mudou-se para outro endereço na mesma rua. Muito perto da nova moradia, Seu Amadeu montou a Farmácia Técnica. Estudou Técnica de Farmácia no Instituto Pinheiros, em São Paulo, e trabalhou na Faculdade de Farmácia e Odontologia de Araraquara, onde desempenhou funções até se aposentar. 

Dona Adelina Dorsa Gallera, a mãe, além de cuidar da casa e da família, destacava-se como cantora no Coral Araraquarense, regido pelo maestro Lysanias de Oliveira Campos, e no Coro da Igreja Santa Cruz que costumava se apresentar nas missas e casamentos. Marinho lembra-se muito bem disso pois, ainda criança, em companhia da mãe, ia aos ensaios e apresentações do Coral e do Coro. 

O Coral cantava diversas músicas populares e árias de óperas. Nos ensaios, compenetrado, ele desempenhava um papel fundamental. Sentava-se ao lado da pianista acompanhadora e olhava o tempo todo para ela, aguardando o sinal para virar as páginas da partitura. O Coral Araraquarense era muito conceituado no interior de São Paulo. Volta e meia, recebia convite de alguma companhia para fazer o coro em óperas de Puccini, Mascagni, Verdi, Bizet e outros. E lá ia o Marinho, viajando pela região junto com o Coral, que contava com nada menos do que quatro representantes da família Dorsa – Adelina, Marise, Yolanda e Luiza – além do tio Nelson Gullo e do primo Marcos Garita. 

Marinho entrou em contato com a música popular brasileira ouvindo a Rádio Cultura Araraquara. Mas não só. O repertório do Coral também continha peças populares de autores famosos como Heckel Tavares, Waldemar Henrique, Joubert de Carvalho e muitos mais daquela época. Canções que, de tanto ouvir, Marinho ia tirando para cantar ao violão ou para acompanhar a bela voz de soprano de Dona Adelina e as tias em memoráveis apresentações solo. 

Quando tinha dúvidas, recorria a um amigo músico, Paulo Ferrante, o Paulão, exímio tocador de piano, flauta e violão, generoso em dividir o que sabia com quem quisesse saber. Outra fonte de informações preciosas era José Carlos Arone, baixista da Orquestra Nelson de Tupã, em que Marinho dava suas canjas, cantando o melhor da MPB de então, no final dos bailes que animavam o Clube 27 de Outubro, em Araraquara, e outros no interior do estado. 

Por falar em clubes, é importante lembrar que Marinho brilhou com a camisa do time de voleibol da Ferroviária de Araraquara e, por diversas vezes, defendeu as cores da seleção da cidade em torneios estaduais.   

A Pauliceia Desvairada

Depois de fazer o ginásio e cursar o primeiro ano do Científico no Instituto de Educação Bento de Abreu, de Araraquara, Marinho mudou-se para São Paulo e ali concluiu o ensino médio no Colégio Estadual Macedo Soares. 

Enquanto estudava, mantinha contato com amigos e parentes de Araraquara que moravam em São Paulo. Amigo pessoal de Luiz Antônio Martinez Correia, Marinho logo começou a frequentar o teatro do irmão deste, José Celso Martinez Correia, considerado um dos mais revolucionários artistas brasileiros de todos os tempos. Conheceu também outro conterrâneo ilustre, o então muito jovem escritor Ignácio de Loyola Brandão que, anos mais tarde, viria a se casar com Márcia Gullo, prima de Marinho. 

Nessa época, Rosa, uma das tias de Marinho, cantava na noite paulistana e namorava o Toninho, um dos fundadores do lendário conjunto Demônios da Garoa, grupo que fazia a interpretação mais conhecida e marcante dos sambas de Adoniran Barbosa. Marinho conheceu os Demônios da Garoa no auge, ainda com sua formação original. 

Foi assim, entre o teatro e a música, que Marinho terminou o Científico em 1967, no ambiente fervilhante da capital paulista, que ele considerava por demais agitado e sufocante. Em 1968, fez vestibular para o curso de Ciências Sociais na Universidade Federal do Paraná e passou. Esse fato abriu para ele um novo caminho que haveria de mudar definitivamente a sua vida. Marinho foi morar em Curitiba.   

A Rua da Glória 

Em 1968, Curitiba tinha 600.000 habitantes, era uma cidade aprazível. Reunia as vantagens de ser, ao mesmo tempo, grande e pequena. Grande, como centro do poder de um estado progressista, sede de uma das primeiras universidades brasileiras e ponto de confluência de correntes migratórias provenientes do mundo inteiro. Pequena, como um lugar onde as pessoas se conhecem, os vizinhos se tratam como se pertencessem à mesma família, uma metrópole capaz de praticar gentilezas provincianas. 

Foi esta Curitiba que Marinho Gallera encontrou aos 20 anos de idade. Desde então, vive em Curitiba e vem participando – com o seu talento e a sua arte – de todas as mudanças que levaram a cidade a se tornar o núcleo de uma região metropolitana com mais de 3 milhões de habitantes. O começo foi na rua da Glória, onde Marinho foi morar numa república de estudantes que abrigava outros sete jovens universitários de Araraquara – Chico, Ronaldo, Jurandir, Fuad, Zé Pedro, Fabinho e Cortez. 

A vida universitária não interrompeu o trabalho artístico. Ainda em 1968, Marinho Gallera venceu o Festival da Canção de Araraquara e começou a se relacionar com o pessoal da música e do teatro curitibano. A convite de Oraci Gemba, um dos mais respeitados diretores da cidade, compôs as músicas e atuou como violonista e cantor em peças como “Chapéu de Sebo”, “Auto de Fé Ocidental”, “A Torre em Concurso” e “Arena Conta Zumbi”. 

Ao mesmo tempo, participou de várias edições do programa experimental de televisão “Módulo 4”, dirigido por Rodrigo Cid, na TV Iguaçu Canal 4, e fez sets como violonista e cantor na casa noturna “Cascata da Sereia”, revezando com o então já famoso compositor Lápis. Uma série de auspiciosas coincidências foi gradativamente aproximando Marinho de outro jovem compositor da cidade, Paulo Vitola. Mas essa é uma outra história que, muito em breve, você vai ler aqui.

Palavraria

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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