Melhores defeitos, piores qualidades

Desenho da Colônia Thereza, elaborado por Faivre

e arquivado no Museu Nacional de Paris.

A Pracinha do Batel foi, enfim, cortada ao meio. Ressentimentos à parte, a polêmica serviu para mostrar Curitiba com seus melhores defeitos e suas piores qualidades.

Curitiba não tem mar, tem parques. Não tem baías, tem áreas verdes. Não tem ilhas, tem praças. Um dos melhores defeitos de Curitiba é não ter mar. Uma das suas piores qualidades é a sua localização mediterrânea.

Com o mar tão distante, mais exatamente 120 quilômetros, só assim podemos explicar tamanha polêmica em torno de uma minúscula praça. Se a Água Verde fosse água do mar, logo ali, a polêmica teria morrido na praia. Se as águas de Curitiba fossem salgadas, estaríamos discutindo o movimento das marés, e não o movimento dos carros.

Quem não tem cão, caça com gato. Quem não tem a paisagem do mar, tem a paisagem dos parques. Essa é a uma das piores qualidades de Curitiba: se o Rio é o mar, Curitiba é o bar – dizia o nosso poeta -; e a Pracinha do Batel é agora uma ilha partida ao meio. Assim, portanto, que o forasteiro não se espante com tamanha celeuma em torno de uma pracinha de meia tigela.

No mês de maio do ano de 1847, o médico Jean-Maurice Faivre e seus seguidores franceses botaram os pés pela primeira vez nas terras onde iriam erguer a Colônia Thereza, berço do socialismo utópico à beira do Rio Ivaí, na região de Guarapuava.

Nascido na França, no Brasil Imperial foi o fundador da Academia Nacional de Medicina. Nome de rua em Curitiba, atrás da Universidade Federal do Paraná, Doutor Faivre queria criar sua própria pasárgada, uma nova sociedade, longe daquele insensato mundo, com um sistema econômico e social baseado na solidariedade comunitária, desapegada dos bens materiais. Amigo pessoal de D. Pedro II e da Imperatriz Thereza Christina, Faivre não era filiado às doutrinas socialistas da época. Sonhava realizar com suas próprias idéias um mundo novo: eliminou na Colônia Agrícola Thereza Cristina, nas bordas da Serra da Esperança, a noção de lucro, colocando em primeiro plano o respeito pela família e a religião.

Depois da morte de Faivre, em 30 de agosto de 1858, “Thérèseville não prosperou. Porém não sumiu do mapa”, segundo Josué Correia Fernandes, autor do livro “Saga da Esperança”, onde conta a vida e a obra do bravo médico: “Está lá, entre o Ivaízinho e o Ivaí, guardando segredos e segredos e projetos, à espera de que o homem, saturado dos males do capitalismo, decepcionado com as posturas de Marx e Engels, retorne ao ponto de partida, encampando a vida em comunidade, o espírito fraterno e solidário, como as únicas vias que conduzem à virtude e à paz”.

Cravada no centro do Estado – 25º 15º latitude S – onde hoje se encontra Prudentópolis, Doutor Faivre acentuava que a Colônia Thereza tinha como dois grandes trunfos a magnífica posição geográfica e o fim com que foi instalada, introduzindo a indústria agrícola e a moralidade “que parece aí estar em falta”. Em razão disso é que se manteve “afastado do mar, onde a ganância tem acarretado tantos desastres e sofrimentos inúteis”.

Afastada do mar – conforme um dos mandamentos de Jean-Maurice Faivre – esse é um dos melhores defeitos e uma das piores qualidades de Curitiba. Pena que, ainda assim, a cidade não ficou livre da ganância. Esse pecado tem acarretado desastres e sofrimentos inúteis, bem além da Serra da Esperança.

Dante Mendonça (20/06/2007) O Estado do Paraná

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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