Meninos, eu vi!

Documentário de Pierre Barouh, que descobriu o Brasil em 1969. Com Baden Powell, Maria Bethânia, Pixinguinha, Paulinho da Viola e mais, muito mais.

O francês Pierre Barouh, orgulha-se de ter sido sempre um amador, no bom sentido. “A gente se encontra com as pessoas e deixa levar”, diz. Em Lisboa, em 1959, fez amizade com o sanfoneiro Sivuca, que o apresentou à música popular brasileira. “O resultado foi que me apaixonei”, conta. Anos depois, encontrou o cineasta Claude Lelouch e terminou compondo para ele alguns dos temas de Um Homem, Uma Mulher (1966), em parceria com Francis Lai. Com voz suave e cool, Barouh gravou para o filme a versão francesa de “Samba da Bênção”, com acompanhamento do compositor, o violonista Baden Powell (1937-2000). O filme de Lelouch divulgou a bossa nova na Europa, por causa do sucesso de uma das canções, “Sabadabada”. E foi o acaso que trouxe Barouh ao Rio de Janeiro num fevereiro muito quente do ano de 1969.

“Um amigo me convidou para viajar para o Rio. Vim para filmar “música brasileira”, confiando na amizade de Baden”, conta. “Mas só tinha três dias para produzir tudo.” Filmou o que pôde numa correria só, voltou a Paris e mandou revelar o filme. Intitulou o experimento de Saravah.

Hoje vivendo em Tóquio, Barouh lançou Saravah em fita cassete há quatro anos no Japão. A versão em DVD saiu há dois. “Como é o Ano do Brasil na França, aproveitei para lançar o DVD por lá. Foi há quatro meses”, diz. “Agora chegou a vez de os brasileiros descobrirem o trabalho.”

De fato, assistir a Saravah é como abrir a arca de um tesouro sonoro nunca revelado. De repente, volta à vida Baden Powell, no auge da carreira e do domínio de sua arte, encarregado de levar o francês encantado pelos bares, clubes e quintais do Rio, ao mesmo tempo que acompanhava outros músicos com seu talento incrível. Ele e Barouh arranjaram um encontro entre a cantora Maria Bethânia e o sambista Paulinho da Viola numa mesa de bar em Itaipu, no litoral fluminense, então uma vila de pescadores. Bethânia, aos 21 anos, abriu-se diante da câmera amadora; cantou e contou tudo o que sabia, ao lado de um Paulinho convicto de manter a diferença em relação à moça. “Temos formação e compromissos diferentes”, diz. “Sou compositor de escola de samba.”

Bethânia aparece ainda em ensaios na boate Sucata, interpretando ‘Baby’ e ‘Tropicália’, canções de seu irmão Caetano, então exilado na Inglaterra. E é acompanhada – em improvável combinação – por Baden e pelo trombonista Raul de Souza. Outra cantora, Márcia, mostra os sambas afros de Baden num clima de total descontração. E há instantes preciosos, como o percussionista João da Bahiana (1887-1974) tocando prato numa tentativa de distinguir macumba de candomblé, e o maestro Pixinguinha (1897-1973) no fundo do quintal de sua casa suburbana, em Jacarepaguá, executando o clássico ‘Lamento’ ao sax tenor, acompanhado por Baden e João da Bahiana. “Filmei ensaios. Eles são melhores que shows”, ensina Barouh.

Não se trata de material para cineastas, mas para fãs de MPB, avisa. Ele está eufórico com sua volta ao Brasil. “Muita coisa mudou, compositores foram favelizados, mas a música brasileira continua fantástica”, vibra. “Isto é a vida!”  Biscoito Fino, 2005.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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