Na moldura – 16 anos

 Zé Beto – Foto de Lineu Filho

Só por hoje mais um dia de sobriedade. Há 16 anos fui levado pelo jornalista Marcio Varella à clínica Quinta do Sol depois de quatro dias de drogadição ininterrupta. Cocaína. Injetável. Trabalhei todos os dias, não sei como, na saudosa sucursal da Folha de Londrina. Apenas no último dia não consegui redigir os textos dos três times da capital que cobria. Chamei o amigo Luis Claudio Oliveira, o Lobão, passei os dados, e consegui fugir, fissurado, para continuar no inferno dos baques, dos picos, da paranóia, da loucura. Sou um sobrevivente. E os sobreviventes comemoram cada segundo da vida normal. Sempre escrevo, falo onde me chamarem, porque, só por hoje, sei que é possível. Tenho amigos que sofrem da doenca da dependência, que independe da droga do uso. Pode ser álcool, pode ser crack, heroína, anfetamina, ecstase, enfim, qualquer uma que nós usamos para aliviar a dor da alma. 

Retomar o controle sobre a própria vida, ganhar a liberdade de escolher o caminho a seguir, é das experiências mais gratificantes que um ser humano pode vivenciar. A dependência é doença incurável. Varella tem uma imagem ótima para isso: “Estou bem, mas sei que tenho um tubarão dentro do peito”. Três internamentos (um pelo alcoolismo), muito sofrimento causado os outros – e principalmente a mim mesmo. Mas essa também é uma experiência que, graças a Deus, poucos têm – e os que estão conseguindo olhar e contar, principalmente para não esquecer do inferno, sabem que ela é fundamental porque se pode comparar. Hoje estive na clínica, fazendo o meu plantão sagrado de todo domingo como voluntário. Dezesseis anos atrás entrei ali com o corpo com marcas roxa, uma ferida horrorosa no braço direito. Hoje dou graças a Deus não ter tido uma overdose no quarto do hotel – mas tive convulsões. 

Agradeço a todos os que me ajudaram e ajudam. Sou um homem feliz, porque sou um milagre, como diz com propriedade o A.A. E decubro isso toda vez que acordo. Por isso digo a mim mesmo: estou no lucro. E vou viver meu dia do jeito emocionante que ele é. 24 out 2010 – Zé Beto

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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