Não será desta vez

O QUEBRA DO DECORO como causa para perda do mandato tem um histórico interessante no Brasil: é comum entre deputados e senadores, rara entre governadores e inexistente entre presidentes. Por que isso? Simples, deputados, senadores e governadores sempre estiveram menos expostos ao exame da sociedade. Daí que não se sintam constrangidos no criar situações de quebra de decoro. E nesse âmbito, a quebra do decoro, nos sentidos rigorosos do léxico e da lei, tem sido real, efetiva.

ATÉ ONDE eu saiba, nenhum presidente da república perdeu o mandato por quebra de decoro. Nenhum. Os dois impeachments presidenciais de nossa história ocorreram por outras causas, o crime de responsabilidade, atos de ilegalidade qualificada no julgamento político. Decoro, repito, nenhum. Por quê? Os presidentes do Brasil, piores que sejam, resguardam para efeitos exteriores a dignidade do cargo. Decoro é isso, coisa simples: dignidade do cargo.

MAS O BRASIL nunca teve um presidente como Jair Bolsonaro. Tivemos o espalhafato de Fernando Collor, a jequice de José Sarney, a caipirice de Itamar Franco, a simplicidade chã e genial de Lula e a tolice cristalina e patética de Dilma Rousseff. Mas todos praticavam o decoro na forma exterior de comportamento e atitude exigida pelo alto cargo. A exigência do decoro foi rompida, ignorada porque desconhecida, uma trava psicológica, pelo atual presidente.

JAIR BOLSONARO está pronto para ser levado a impeachment por quebra de decoro. Seria o primeiro? Desde ontem passou-se a falar muito disso. O advogado e professor Miguel Reale Júnior, autor do pedido de impeachment de Dilma, vai além e diz que o caso de Bolsonaro é outro, de interdição, a restrição à capacidade civil de doentes mentais. Jair Bolsonaro será o primeiro presidente brasileiro a ser cassado por quebra de decoro? Difícil, praticamente impossível.

O PRESIDENTE não cairia por quebra de decoro porque tem apoio de uma bancada que depende dele e a seu modo fere o decoro em tons e decibéis tão ou mais altos que os dele. Bancada da câmara dos deputados, competente para acolher o pedido de impeachment (no Senado, sem maioria, a cassação até passaria). Mais: os eleitores de Bolsonaro, a julgar pelo que mostram nas ruas e nas redes sociais, tampouco são exemplares no decoro, pois aplaudem e defendem as loucuras indecorosas do líder.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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