Não se deve torcer contra o piloto do avião no qual se viaja

Quarenta dias depois de ter sido internado de emergência no hospital Sírio-libanês com apendicite supurada, caminhando para septicemia, completei no domingo (4) os 42 quilômetros da Maratona de Nova York.

Mais do que uma maratona, Nova York é uma ode à vitória, à superação, à resiliência. Você coloca o seu nome na camiseta, e a cidade vai gritando o seu nome pelos 42 quilômetros da prova.

Aquelas 52 mil pessoas que participam da corrida formam um rio caudaloso de vontade humana. Todas unidas, andando na mesma direção, embora os EUA que se esparramam pelas ruas de Nova York sejam hoje um país dividido e o mundo que corre ali, com gente de 143 países, seja também um mundo dividido.

Mas, sob o céu azul de Manhattan, estavam todos unidos em torno da superação e da vitória. Uma torrente humana unida na admiração pelo sujeito vindo das montanhas da Etiópia paupérrima que fará a prova em pouco mais de duas horas e na admiração pelo maratonista de elite Fredison Costa, agricultor baiano que fará a maratona no pelotão da frente em duas horas e algo sem o patrocínio que merece apesar de ter ganho várias vezes a maratona da Disney.

O que move aquela multidão é o exemplo dramático e belo de paraplégicos que farão os 42 km nas suas cadeiras movidos pela força dos seus braços e o grito incessante de “go, go, go” do público que acompanha a corrida.

“Naizan! Go Naizan!”, vou ouvindo.

O que move aquela multidão é ver o exemplo dramático e belo de soldados americanos mutilados pela guerra que farão os 42 km em oito horas, quando a noite já tiver caído, sem a Lua, mas com aquela multidão teimosa e solidária a incentivá-los.

E é bom lembrar que estamos nos EUA que nesta terça (6) se engalfinharão em eleições ao Congresso que podem tirar de Donald Trump a maioria na Câmara —para equilibrar a nação e o mundo.

O mundo não precisa pensar igual. Ele só precisa pensar. O mundo não precisa sentir igual, ele só precisa sentir.

Como diz a própria palavra, corredor é dor. A partir do km 30, os ossos batem, o fantasma da câimbra ronda. E a gente se pergunta: por que diabos estamos indo? Mas vamos.

E é disto, meu país e meu mundo, que precisamos hoje: união. Nos estados desunidos da América, nas nações desunidas da ONU.

Essa ética é atávica no esporte. Ele mostra que, apesar de diferentes, somos de carne e osso. E que, a partir do km 30, o osso vai bater em ricos e pobres, héteros e gays, brancos e pretos. Afinal, todos nascemos com apêndice, cóccix, ciático e fêmur.

O que o Brasil precisa agora é união. União não é desistir das convicções, mas pensar acima delas. É isso que faz a raça humana avançar. A união que nasce depois das guerras, o perdão que surge depois do imperdoável.

A pomba da paz não pode ser um urubu secando o dia a dia da nação. Não se deve torcer contra o piloto do avião no qual se viaja.

Nova York, você me ensinou uma lição longa e dolorosa, seis horas que durarão para sempre. Minha vida que neste ano fez 60 passou toda diante de mim.

E não me escapou o fato de que tenho algo em comum com todas aquelas pessoas: todos morreremos. Portanto, é melhor deixar algo maior que nós. O esporte é um chamamento à grandeza: aceitar o insuportável e seguir.

E compreender, finalmente, cá com meus botões, o que disse meu Hemingway amado: a raça humana pode até ser destruída, mas jamais será vencida. Go, Brasil, go!

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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