O adeus a Peter O’Toole

Peter-O-TooleFoto Divulgação.

Ele foi um dos hooligans do cinema inglês por volta de 1960. Não só do cinema. Peter O’Toole pertencia a uma geração rara – Albert Finney, Richard Burton, Richard Harris, Oliver Reed. Todos mulherengos e beberrões. Conta a lenda que David Lean queria Finney no papel de Lawrence da Arábia, mas o ator declinou, seduzido pela possibilidade de interpretar Tom Jones na adaptação do romance de Henry Fielding que Tony Richardson queria fazer. Lean voltou-se então para O’Toole, mas o próprio ator não colocava fé de que conseguiria o papel, por se haver envolvido com uma amante do produtor Sam Spiegel. Mestre Lean bancou-o, e estava certo. Nenhum ator teria feito melhor El Aurens. Um gigante louro de dois metros, um macho no papel de um exibicionista, gay enrustido. Peter O’Toole instantaneamente virou mito (sexual) nos turbulentos anos 1960. Lawrence valeu-lhe a primeira indicação para o Oscar e ele teve mais sete – um recorde para um ator que nunca ganhou o prêmio. A Academia, para se redimir, outorgou-lhe um Oscar de carreira em 2003, mas em 2006, com a última indicação – Vênus, de Roger Mitchell -, O’Toole estava tão certo de que ia ganhar que já estava se levantando quando o nome de Forest Whitaker (por O Último Rei da Escócia) foi anunciado.

Peter O’Toole morreu ontem, aos 81 anos, num hospital de Londres. O anúncio foi feito somente hoje, e sem o acompanhamento da causa da morte. Estava doente há tempos, de qualquer maneira. Por mais que goste de Lawrence da Arábias, tenho um carinho especial por outro filme que O’Toole fez em seguida – Lorde Jim, de Richard Brooks, adaptado do livro de Joseph Conrad. Me emociona muito a covardia de Jim no naufrágio do Patna e a sua busca por expiação, que ele encontra no Patusan (patna + us/nós). Sou capaz de recitar de cor o último parágrafo do livro, quando o narrador conta como Jim, virando herói, desaparece numa nuvem. É, para mim, uma das páginas imortais da literatura. O’Toole, Paul Lukas e Daliah Lavi, chamada apenas de ‘a Garota’, são todos gloriosos no filme. E o vilão de James Mason, sinistro… Diverti-me muito com O’Toole e Peter Sellers em O Que É Que Há, gatinha?, de Clive Donner. E ele teve todos aqueles papeis em Becket, o Favorito do Rei – opondo-se a Richard Burton -, O Leão no Inverno, Adeus, Mr. Chips, A Classe Dominante e dois de que gosto muito, em filmes subestimados – o genial O Substituto, de Richard Rush, e Um Cara Muito Baratinado, de Richard Benjamin.  O’Toole fez também O Último Imperador, de Bernardo Bertolucci, e o citado Vênus. Fez teatro, TV. Há dois anos, emitiu um comunicado dizendo que as musas o haviam abandonado e ele não sentia mais a paixão ‘por isso (representar)’. Anunciou que estava parando, mas as musas devem ter voltado, porque planejava dois novos filmes (que não sairão), em 2014. O’Toole nasceu na Irlanda, em 1932, mas se criou em Leeds, na Inglaterra. Tinha uma filha atriz, Annette O’Toole.

Antes da explosão de Lawrence, fez três ou quatro filmes, incluindo um grande (num pequeno papel) – Sangue Sobre a Neve, de Nicholas Ray. Viveu a arte e a vida com intensidade, como seus amigos de juventude, todos inscritos no panteão do cinema. Foi grande, imenso, um ícone. E eu choro por ele e pelos momentos de emoção que me deu no cinema.

Luiz Carlos Marten|Estadão

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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