O Brasil da TV

A julgar pelos boletins noticiosos televisivos, o Brasil é um país constituído apenas de patifes. No jornal global de 1h20m da última segunda-feira, por exemplo, o cardápio foi farto e variado: construtores e vendedores de prédios que desmontam e soterram pessoas, vigaristas que cobram festas de formatura que não acontecem, infratores de trânsito de todos os naipes, falsificadores de atestados de saúde, raptora de bebê em maternidade… Tudo no mesmo dia. Nos outros, são assaltos, sequestros, balas perdidas, mortes nas estradas, assassinatos à luz do dia, explosões de agências bancárias, policiais que matam crianças… Ofertas constantes. Diárias. Com riqueza de detalhes que entristecem a população e atiçam meliantes em todo o território nacional.

Qual a vantagem disso tudo? Busca de audiência? O telespectador quer ver tragédia e sangue? Não creio. O que sei é que tais informações se prestam para causar medo e afundar ainda mais a autoestima do brasileiro, um povo já atormentado pela pobreza crescente, pela falta de emprego, de educação, de segurança e de assistência médico-hospitalar.

Não devia ser essa a função dos órgãos de comunicação social. Informar sim, mas só desgraças? Boas ações, condutas enaltecedoras, exemplos dignificantes não são mais notícias, não dão ibope? Triste, muito triste.

Fosse eu diretor de jornal ou de noticiários televisivos, assassinatos, violência e trambiques só seriam impressos ou só iriam para o ar excepcionalmente. O que adianta informar aos catarinenses que um transloucado marido paraibano matou a mulher? Ou que marginais explodiram uma agência bancária nos cafundós da Bahia?

O Brasil não é só o que se vê na TV. Com certeza, não é. Aqui, apesar dos governantes, se trabalha, se produz, se constrói. E ainda se sonha. Tirar o sonho da população deveria ser crime de lesa-pátria.

É preciso que nos afastemos desse triste submundo mostrado nos noticiários. É uma realidade que não nos interessa e não nos faz bem. Por favor, senhores repórteres e senhores editores, deixem-nos preservar os nossos sonhos e a nossa esperança, porque sem sonho e sem esperança não há futuro.

O meu saudoso Rubem Alves, que sabia das coisas, ensinava que povos e nações são construídos com sonhos. Dos sonhos nascem os guerreiros, a luta e a vitória.

Minha geração contabiliza o crédito de bons momentos de luta e glória. Viveu os anos dourados de JK, da bossa-nova e das primeiras conquistas mundiais nos esportes, e enfrentou como pode os anos de chumbo da ditadura militar, que castrou talentos e sufocou a liberdade. Por isso, não pode aceitar com naturalidade os bandidos e os falcatrueiros mostrados hoje pela televisão.

Se a criminalidade perdeu a lógica e as autoridades perderam a autoridade, a sociedade deve reagir. A começar protestando contra a atuação dos noticiários televisivos, que ao divulgarem com tanto fervor e riqueza de detalhes a violência e a prática delituosa, acabam por incentivá-las.

Quando a funesta ladainha começar, ainda que ditada pela bonita e competente Sandra Annemberg, desligue o televisor ou mude de canal, prezado telespectador.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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