O Capitão Corona e suas responsabilidades na pandemia do coronavírus

Gilmar Mendes tem uma longa carreira de desserviço ao Brasil, porém é preciso apontar que ele acertou ao alertar sobre a responsabilização dos militares pela desastrosa condução do governo Bolsonaro nesta pandemia, até porque não é nenhum grande mistério a posição lamentável em que ficaram as Forças Armadas pelo seu envolvimento em um governo que não tem como escapar de ficar conhecido como o mais desastroso da nossa história recente.

Acho até que o ministro do STF deu uma amenizada em seu espírito belicoso, pois colocou sua observação no plano de um alerta, quando é muito claro que já está irremediavelmente manchada a imagem dos militares brasileiros, com prejuízo inclusive à alegada fama da competência para resolver qualquer problema, como se a formação profissional de um militar tivesse um diferencial quase mágico em relação ao da população civil.

As Forças Armadas ficaram com a imagem bastante abalada, depois que o país conheceu o estilo de sargento de anedota desses generais que Jair Bolsonaro pegou como parceiros de um governo inepto e que faz qualquer negócio. Mas voltando ao que falou Gilmar Mendes, nesta terça-feira ele comentou novamente o assunto, buscando esclarecer inclusive o uso da expressão “genocídio”, que até mesmo críticos do governo vêm apontando como uma qualificação inadequada para os fatos que envolvem Bolsonaro e os militares nesta pandemia.

O ministro do STF afirmou que a expressão “genocídio” vem sendo levantada internacionalmente, pela preocupação com o avanço da doença entre as comunidades indígenas. Vejam o que ele disse:

“Como vocês sabem, estou na Europa. Participamos recentemente de um webinar com [o fotógrafo] Sebastião Salgado e a temática foi toda de ameaça aos povos indígenas. Salgado liderou um grupo apontando que o Brasil pode estar cometendo genocídio. Então é esse debate. A responsabilidade que possa ocorrer.”

De fato, dependendo do efeito da Covid-19 entre os índios, devem surgir denúncias sérias contra o governo Bolsonaro em instituições internacionais, até mesmo na forma jurídica, em tribunais que tratam de direitos humanos. Atos desse governo e posicionamentos pessoais do próprio presidente podem motivar processos não só na justiça brasileira, como em tribunais internacionais.

Existem muitos materiais comprovando que houve muito mais do que descuido na condução de Bolsonaro em relação ao novo coronavírus, especialmente no desprezo com as comunidades mais desassistidas. Este é o presidente do “E daí?”, que pretendia destinar apenas 200 reais para os mais pobres durante a pandemia. É dele também o veto a trechos do projeto de lei aprovado pelo Congresso que garantia aos índios e quilombolas durante a pandemia cuidados hospitalares e sanitários dignos, além de alimentação, auxílio emergencial e também água potável.

Cabe lembrar o desprezo de Bolsonaro pelas vítimas fatais quando acreditava-se que a letalidade do vírus atingia apenas pessoas mais velhas. Estávamos em março, com apenas 25 mortos. Com aquela sua falta de empatia como o outro, Bolsonaro foi tão duro ao colocar a morte de idosos como um mal menor que provocou uma reação emocionada do ator Lima Duarte.

“O discurso dele é uma coisa trágica pra mim. Ele quer dizer: ‘deixe o velho morrer’. Os jovens estão bem, os meninos estão bem, então, deixa o velho morrer”, falou Lima Duarte, em um vídeo que causou comoção nas redes sociais. “Conforme ele ia falando eu pensava: ‘Ele está falando comigo. Ele quer que eu morra! É isso que ele está dizendo pra mim e para todos os velhos desse país, que velho não importa.’ Difícil, né?”, completou o ator, que está com 90 anos.

Bolsonaro já está marcado internacionalmente como um governante altamente desastroso e até impiedoso durante esta pandemia, com atitudes que pelo descaso da sua posição negacionista conduziram o Brasil a uma quantidade colossal de mortes, com a Covid-19 por aqui já registrando quase 80 mil mortes e ainda longe da descida da curva, colocando o nosso país atrás apenas dos Estados Unidos nesta tragédia mundial.

A fama desse presidente sem noção já faz dele motivo de piada até em publicações reconhecidamente sisudas e de grande influência internacional, como saiu recentemente no Financial Times, com ele sendo chamado de “Captain Corona”. É impossível para Bolsonaro corrigir esta imagem negativa, do mesmo modo que será muito difícil que ele escape de responder juridicamente por acusações muito sérias.

Não importa que seja “genocídio” ou qualquer outra palavra que caracterize as responsabilizações criminais que certamente serão cobradas quando esta pandemia se amenizar. O que deveria preocupá-lo desde já é que haverá julgamento pelo que seu governo vem fazendo, neste seu negacionismo de consequências terríveis para a população brasileira. E claro que, além do plano moral, estas contas terão de ser prestadas na forma da lei.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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