O coronavírus, a ilusão dos caminhos mais fáceis de Bolsonaro e outros enganos da política brasileira

Está havendo um espanto com o liberou geral nos cuidados com a pandemia, com as aglomerações impressionantes ocorridas em todo o Brasil e claro que algumas em torno do pior presidente do mundo nesta pandemia — o insensato Jair Bolsonaro, que usou também este feriado de Sete de Setembro para sua farra anti-sanitária. Tivemos praias e bares com grande lotação, lugares turísticos ficaram lotados, com uma despreocupação que não faz sentido, levando em conta o que já se sabe sobre este vírus. O mais grave é que isto não é sintoma apenas desta pandemia. É outro o mal, bem mais antigo e de origem cultural.

O desvario coletivo nesta pandemia com mais de 10 mil mortos é ainda mais grave porque aparentemente começava a se dar a tão esperada descida da curva, muito demorada por causa exatamente das idas e vindas na prevenção ao contágio. Claro que teremos novamente um resultado científico depois dessa saída atropelada às ruas, com um crescimento do contágio e das mortes. Dentro de poucos dias voltaremos a um platô ou nem sairemos dessa dificuldade que pelo jeito uma porção de brasileiros acredita que pode-se atravessar sem máscaras.

O novo coronavírus já chegou ao Brasil com uma boa verificação sobre os cuidados necessários para evitar mortes e amenizar estragos econômicos, depois do povo europeu, principalmente na Itália, servir involuntariamente de objeto de avaliação científica sobre os efeitos da Covid-19. Quando este idiota eleito presidente dizia em março que no Brasil não haveria mais de 800 mortes, já se sabia que com a falta de cuidados a letalidade do vírus poderia chegar à casa do milhar diariamente, como de fato se deu, agora com o país já chegando aos 130 mil mortos.

Uma parte de dirigentes políticos compreendeu a gravidade da questão, o que foi determinante para o Brasil não arcar com consequências ainda piores. Mas a atrapalhação foi geral. Uma parcela expressiva de brasileiros costuma se guiar em bloco mais pelo imaginário do que pelo real, o que é próprio da falta generalizada de conhecimento, de uma população que há décadas sofre coletivamente com a carência extrema de educação de base, agravada nos últimos tempos por uma carga impressionante de dificuldades emocionais. Como se costuma dizer, o povo anda doido.

Teve efeito neste imaginário do brasileiro a ilusão de que não enfrentaríamos aqui as dificuldades que bateram em países com muito mais equilíbrio social e poder econômico, como se um vírus como o da Covid-19 pudesse se encaixar no antigo jeitinho brasileiro.

Claro que o acolhimento desta absoluta tolice teve um empurrão importante de Jair Bolsonaro, com sua opinião sustentada pelo respeito institucional do cargo. Bolsonaro é o mesmo bestalhão que durante quase trinta anos na Câmara foi um tremendo chato, um parlamentar desqualificado repelido até entre o baixo clero da política em Brasília, mas, enfim, tem o respeito de quem chegou à Presidência da República. Não bastou ter Lula no governo por dois mandatos para ficar claro que neste sistema partidário qualquer idiota se elege presidente.

Bolsonaro foi o colaborador mais eficiente nos descaminhos, porém não é dele a culpa exclusiva pelo desastre sanitário. Seus apelos irresponsáveis como presidente encontraram ouvidos cúmplices, fáceis de serem convencidos da imaginada facilidade, pelos que vivem esperando soluções que não exigem um enfrentamento rigoroso dos problemas. Coitado do brasileiro, não é por maldade a busca do caminho mais fácil, mas depois que o inferno se apresenta é de pouco valor a boa intenção inicial.

No geral, temos um povo bastante dissimulado. E dá para compreender a ausência de aplicação, com quase nenhum rigor nas relações com os outros, a dificuldade de ter opinião bem fundamentada, a falta de vontade fazer as coisas do modo mais certo. Já faz tempo que o Brasil não tem regras claras para nada, socialmente atolado em instabilidades que atravessam toda sua história moderna, entrando neste século 21 ainda sem que se possa saber exatamente qual é o comportamento exigido de um cidadão.

Vou ser franco, minha atitudes sociais se baseiam em virtudes próprias, vindas da família e do conhecimento pessoal. De fora, foram raras as vezes em que tive motivação social para agir com qualidade. Neste país estamos sempre forçados a reunir forças diante de tantos apelos para sair da linha.

No meu convívio pessoal, no âmbito pessoal e na política, em toda a minha vida, os acenos mais fortes foram sempre os de me dar bem, da enganação, de fazer as coisas exigindo-se o mínimo possível — no popular, fazendo o conhecido “corpo mole”. Em quatro décadas de aplicação naquilo que faço, foi sempre uma briga difícil para trabalhar da melhor forma possível — tendo que convencer disso até os empregadores. E pelo que se vê hoje em dia, essa batalha mantém-se na mesma.

O brasileiro mente demais. As mentiras são sobre expectativas políticas, os sentimentos pessoais e até quanto ao desconforto com os acontecimentos, mesmo nas situações em que há um prejuízo coletivo muito amplo. Mente-se até para se fazer de bom de cama. Tenho a impressão de que o caráter nacional permitiria até o restabelecimento da escravidão no país que, bem, é um pouco pior do que forçar os mais jovens à entrada na vida profissional entregando lanche, ganhando pouco e sem ganho regular garantido, sem nenhum direito trabalhista e ainda menos possibilidade de crescimento pessoal.

Voltaríamos ao trabalho escravo se um espertalhão conseguisse descobrir uma forma de convencer o Brasil a seguir este caminho, mas claro que no dia anterior à volta do chicote no lombo o Datafolha, Ibope ou qualquer outro desses institutos de pesquisa apareceria com a informação de que 99,9% dos brasileiros são contra a escravidão.

Não pretendo com isso uma explicação definitiva sobre comportamento coletivo em um país onde pesquisas trazem o registro de uma preocupação ampla sobre a Covid-19, para depois as pessoas saírem em massa, nas aglomerações pelo país afora, sem o devido repúdio social a tamanho desrespeito e sem a aplicação de regras. Este não é um veredito sociológico — até porque a sociologia não tem ferramentas para isso nem é sua serventia. São apenas uns dados empíricos, trazidos com a preocupação de quem vive em um país que parece prestes a chegar a uma condição em que será difícil arrumar conserto, se é que isso já não aconteceu.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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