O drinque no xadrez

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O nobre “destilador” escocês precisa continuar trabalhando, ou teremos a indústria do Paraguai assumindo a fábrica do “novo” uísque, junto com as nossas produtoras de leite…

“A humanidade estava atrasada três doses”, jurava Humphrey Bogart. Mas na estreia de Casablanca, numa sessão privé para Roosevelt e staff na Casa Branca, 1942, o premier inglês Winston Churchill estava adiantado umas dez doses, como deixa entrever o “olho” indiscreto da repórter Doris Kearns Goodwin no livro Tempos Muito Estranhos.

Churchill não era o hóspede favorito de Eleanor Roosevelt, nem do mordomo Alonzo Fields, a considerar-se as ordens do primeiro-ministro para o negro sulista que servia ao presidente. Com os pés descalços e o bundão branco aparecendo sob a imensa camisola, Winston convocou o mordomo:

— Queremos continuar amigos, não é, Fields? Então, por favor, ouça: primeiro, não gosto de bate-papo no lado de fora dos meus aposentos. Segundo, detesto assobio nos corredores. E, terceiro, quero um cálice de xerez em meu quarto, antes do café da manhã, uns dois copos de uísque com soda antes do almoço e champanhe francês e brandy de 90 anos antes de dormir.

— Sim senhor , acenou o negrão, “nada ressentido com o modo direto e pouco delicado de falar do primeiro-ministro”.

A literatura sempre deu um tratamento cordial a esses alegres atletas do álcool – a literatura russa com notável ênfase. O estudante Raskolnikof (Crime e Castigo) purgou seu crime em vodka. E o pai de Sonya – sua torturada amante – era um funcionário público “conservado” em barris de carvalho.

Há toda uma galeria de bêbados nos contos de Thecov e nos épicos de Tolstoi. Aliás, não é só no romance que os russos se encharcam. Sob a benção de Yeltsin, das estepes da Ucrânia até os contrafortes dos Urais, os russos bebem dois Volgas, mais o Mar Negro, o Cáspio e o Báltico.

Inimigo de Churchill, um certo Lorde Avebury contestava esse campeonato russo. E reivindicava o desonroso troféu para a própria Inglaterra: consumo médio de 17 litros/ano por pessoa – o que transformava o Reino Unido no campeão europeu de levantamento de copo.

— Winston estava quase sempre embriagado quando tomou as decisões mais difíceis e estratégicas da Segunda Guerra Mundial! – denunciou.

“Ora”, observou um experiente freqüentador do Box do Mercado:

— E foi só por isso que ganhou a guerra!

A cobiça fiscal, denuncia um “engarrafador” escocês, está matando a indústria da cevada destilada. Uma garrafa de uísque custa US$ 0,56 ao produtor das Highlands. Mas sobre ela agregam-se US$ 7,2 em impostos! Resultado: a Escócia exporta cada vez menos uísque, com um encalhe de 23 milhões de garrafas.

De olho nesse “excedente”, um amigo chegado ao escocês ligou-me ontem à tardinha, sugerindo que encontrássemos urgentemente aquele advogado que já libertou o Salvatore Cacciola e outros ilustres.

— E pra quê? – perguntei, ingênuo.

— Pra entrar com um habeas-corpus em favor do pobre Johnnie Walker!

Afinal, o nobre “destilador” escocês precisa continuar trabalhando, ou teremos a indústria do Paraguai assumindo a fábrica do “novo” uísque, junto com as nossas produtoras de leite….

Mister Johnnie Walker usa saiote tipo Kilt, mas não merece ficar encarcerado naquele outro tipo de xadrez.

Sérgio da Costa Ramos – Diário Catarinense

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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