O homem que entrevistou Dalton e outras histórias do Araken – I

O sonho do Wilson Bueno era publicar uma entrevista com o Dalton Trevisan no “Nicolau”. Já tinha feito de tudo e nem um pio do “Vampiro”. Uma vez, recrutou as seis pessoas com quem o Dalton trocava palavras (e não frases) em Curitiba e as mandou pra casa dele. Nada! Partiu, então, para um golpe baixo: descobriu um famoso urologista, que nos tempos de estudante de medicina, envergando as cores do Centro Acadêmico Nilo Cairo, perdeu por milésimos de segundo a Medalha de Ouro na prova dos 100 metros rasos para o Dalton, que defendia a jaqueta vermelha e branca do Centro Acadêmico Hugo Simas, nos Jogos Universitários do Paraná. Achou que tinha chegado a hora. O respeitadíssimo médico bateu à porta e ficou esperando. Minutos depois o Dalton, sem abrir a porta, perguntou quem era e o que queria. Quando soube, soltou uma espécie de grunhido dizendo que não estava em casa!

Reza a lenda urbana que o Bueno chegou a dirigir uma mensagem para João Paulo II, clamando por intercessão. O Santo Padre, que gostava do jornal e recebia todos os números pelos polacos de Curitiba, resolveu ajudar. Mandou uma carta de próprio punho para o Núncio Apostólico em Brasília, endereçada ao Dalton Trevisan, com instruções ao seu embaixador no Brasil que entregasse a missiva em mãos. O Núncio desceu no Afonso Penna, pegou um táxi e tomou rumo à Ubaldino do Amaral. Bateu na porta e se quedou esperando. Uma eternidade depois, Dalton abre a janela e, sem se surpreender com as vestes do mensageiro (que trajava o rigor eclesiástico), perguntou o que queria. O Núncio apresentou suas credenciais e lhe dirigiu a mensagem do Papa. Dalton leu, não respondeu nada, deixou a janela e foi prá dentro de casa. Voltou com um exemplar d´A Polaquinha. Ainda disse: “Vossa Reverendíssima que me desculpe, mas não estou autografando mais!”. Bateu a janela. Como o táxi ainda estava esperando, o embaixador do Vaticano retornou ao Afonso Penna. A aeromoça da Varig jurou, de pé junto, que o Núncio, embora corado, leu o livro de um fôlego só até Brasília.

Wilson Bueno jogou a toalha. Mas às vezes pensava no assunto, lamentava e chorava. Num dia de lágrimas, adentrou na redação do “Nicolau” o Araken Távora. Vendo o Bueno naquele estado, perguntou o que estava acontecendo. Wilson contou a história acima. O Araken disparou: “Mas isso não é problema. Já entrevistei o Dalton Trevisan!” Bueno saltou da cadeira e pediu que o Araken explicasse. Com a sua voz de barítono, óculos quadrados maiores que o rosto, e muito calmo, Araken explicou: “Foi em 1968, na revista Panorama”. Bueno mandou o Araken sentar e escrever um texto contando sobre a entrevista (a única que se tem notícia). Foi na Biblioteca Pública, 3º andar, saindo do elevador à direita, Setor de Periódicos, e achou a indigitada edição da Panorama. Xerocou e voltou extasiado para a redação. O Araken já tinha terminado o texto e no número seguinte o “Nicolau” publicou tudo, inclusive as artimanhas que o Araken usou para entrevistar o “Vampiro”. Tá tudo lá.

Conheci o Araken Távora pelo Aramis Millarch. Paranaense, pelo que lembro, de Ribeirão do Pinhal, começou nas lides jornalísticas em Londrina. Antes de chegar ao Rio de Janeiro passou por Curitiba. Era uma figura! Talvez a mais extraordinária que conheci na vida. Quando nos conhecemos, eu chefiava o gabinete do Secretário (da Cultura) René Dotti. Araken disse que queria falar com o René, que eram amigos há quarenta anos. Gozado, percebo agora que todas as amizades do Dotti eram de quarenta anos. Na frente do René, disse que não estava vindo para pedir nada, mas sim oferecer. Nessa época, era servidor do Museu Nacional de Belas Artes. Sua função no MNBA, descobri depois, era ter ideias e executá-las. Ofereceu ao Secretário a vinda, inteiramente bancada pelo Museu Nacional, do acervo de Pedro Américo. Pagavam tudo, transporte, montagem, desmontagem, seguro etc… Só não podia vir o Grito do Ipiranga. Nenhuma seguradora toparia lavrar apólice. A mostra, no Museu Paranaense, foi um sucesso extraordinário. Milhares de pessoas foram ver o “Pintor da Independência”.

Araken tinha histórias que não acabavam mais. No dia 2 de abril de 1964, se trancou em casa, não sem antes comprar uns barris do líquido escocês e uma tonelada de gelo, e escreveu um livro sobre o “acontecimento”. Em maio, todas as livrarias do Brasil receberam, e venderam até acabar, o seu Brasil 1º de abril. O título era uma provocação. Os defensores da “Redentora” sempre encheram a boca para se referir à revolução de 31 de março de 1964, que nos salvou das ideologias exóticas e etc… Araken cismou em publicar o livro nos Estados Unidos. Mandou traduzir e encaminhou para uma das mais prestigiadas editoras de Nova York. Semanas depois, recebeu os originais de volta com uma carta furibunda, onde a editora dizia que não publicava livros que faziam apologia do comunismo. Não se deu por vencido. Trocou o título, saiu um How Brazil defeated communism, e mandou para outra editora, não menos afamada. Algum tempo depois, recebeu os originais de volta com a observação de que a casa editorial não era formada por idiotas, leram os originais e perceberam que o título era o contrário do texto.

Outra façanha jornalística do Araken Távora se deu quando do sequestro do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick. Araken levantou toda a história, nos mínimos detalhes. Como os jornais do centro do país estavam, todos, sob censura prévia, só saia o que o governo militar queria. Araken se lembrou da Panorama e pousou aqui. José Curi, dono da revista, topou, e a publicação editada em Curitiba foi a única a oferecer a história como ela se deu. Panorama e Araken foram citados por todas as agências de notícias do mundo. Aqui um parêntese: Lê-se na biografia do Robert Civita, escrita pelo Carlos Maranhão, que, quando da fundação da Veja, o velho Victor Civita tinha em mente o título Panorama. Tentou de todas as formas adquirir o mesmo do Curi, mas esse resistiu a todas as ofertas.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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