O jogo de malha

Claudio Henrique de Castro

Numa manhã da década de 80, certo aluno levou seu jogo de malha para jogar no recreio das aulas no Colégio Estadual do Paraná. Dois discos relativamente pesados, do tamanho de uma palma da mão e dois pesos retangulares de madeira.

No intervalo foi um sucesso, centenas de alunos foram assistir ao jogo na pista de corrida ao lado, feitas as duplas, os discos voavam de um lado para o outro tentando derrubar o peso de madeira ou adentrar no pequeno círculo riscado na pista.

Logo chegou o Professor de Educação Física que também queria jogar, e jogou… e perdeu. Festa geral dos alunos, risos, gozações e mais jogo de malha.

Dias depois, veio a ordem da Direção: – estava proibido o jogo de malha pois alguém poderia se ferir. O disco de ferro da malha poderia atingir a cabeça de algum aluno, aí a responsabilidade seria do Colégio e de quem permitiu aquela barbaridade.

Lembro-me que o melhor piso para o jogo era a terra batida, nos terrenos baldios que todos os bairros de Curitiba sempre tinham livres, para a felicidade da piazada.

O disco poderia atingir algum desavisado, mas se o disco passasse perto do guri, alguém gritava: – “Eita piá, acoorrrrda buuurrrrro.”

Alguns piás de prédios não jogavam malha, aliás, achavam perigosas, como tantas outras coisas.

Ouvia-se o coaxar de rás e sapos. Sim, tínhamos banhados por todos os bairros. Ondem estarão aquelas rãs? Só serão redescobertas daqui a milênios, pelos arqueólogos do futuro.

 Sentávamos nos carrinhos de rolimãs que sempre esfolavam nossos joelhos ou a cara no asfalto, nas ladeiras recém asfaltadas ou na descida da rua Buenos Aires a partir da Getúlio Vargas, na pracinha do Atlético.

Quem teve uma infância verdadeira soube o que foi tomar banho nos rios, que um dia foram limpos, subir em árvores em terrenos baldios ou fazer coisas que hoje seriam impensáveis.

Onde estará aquele jogo de malha que tive em minha infância? Estará no sótão da casa de algum amigo que emprestei ou apenas nas minhas lembranças. Aquelas malhas ninguém mais tem num mundo das tecnologias que empalidecem os rostos e atrofiam os músculos das pernas e dos braços.

Hoje, as crianças devem se tornar adultos o mais rápido possível para poderem trabalhar e consumir.

A infância virou um aparelho de celular.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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