O jogo de novo, diacho!

Os nobres parlamentares de Brasília, tão parcimoniosos na aprovação das reformas que o país precisa, quando a jogatina vem à baila, tomam-se de enorme assanhamento. É que a bancada dos bingos e da roleta faz-se de morta, mas continua sempre à empreita de uma brecha legislativa.

Recentemente, revelei aqui que dois graduados auxiliares de Temer – “gente da melhor qualidade” – estavam maquinando propor ao Congresso Nacional a legalização dos jogos de azar, “como medida para aumentar as receitas da União. Quem eram eles? O então ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves, e o então ministro-chefe da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima (aquele dos 51 milhões encontrados no apartamento baiano), ambos, hoje, inquilinos do Complexo Penal de Pinhais. Daí, vê-se que a referência acima a “gente da melhor qualidade” é pura ironia.

A justificativa era a costumeira, tão estúpida quanto a pretensão: “Hoje o jogo existe de forma clandestina e sem gerar qualquer benefício para o Estado”. Se a motivação é esta, melhor seria legalizar desde logo o tráfico e o uso da droga, cuja demanda seria muito maior e geraria muito mais recursos.

A pretensão arrefeceu com a prisão dos principais mentores.

Leio agora que o Senado retomou a ideia e pode votar, ainda em 2017, um projeto para legalizar os jogos de azar. A nova proposta teria partido de governadores. E o atual objetivo seria arrecadar dinheiro para financiar o combate à violência. Quer dizer, para combater o crime comete-se outro.

O projeto é do ínclito senador Ciro Nogueira, do Partido Progressista, e teve relatório favorável do não menos distinto senador Benedito de Lira, do mesmo partido, ambos com inexpressivas atuações parlamentares e condutas marcadas por suspeitas. O relatório legaliza jogo do bicho, bingo, vídeo-bingo, apostas esportivas e não esportivas e cassinos online ou em complexos de lazer integrados. Um formidável maná!

O presidente do Senado, aquela figura ambígua, admite que a proposta é polêmica, mas que deve ser analisada. “Não sou um defensor do projeto, mas sou o presidente da Casa e pautaria o projeto para que o Senado definisse sim ou não e acho que, se aprovarmos isso, essa questão dos jogos de azar, tem que ter uma legislação”, disse o senador Eunício Oliveira sem nada dizer, muito pelo contrário. Mas está disposto a se alinhar com o cartel da roleta.

Tenho dito e repetido: o jogo, seja de que modalidade for, faz mal à saúde pública. Só não vê isso quem não quer, é estúpido de nascença ou dependente do vício.

Pessoalmente, detesto qualquer tipo de jogo. Ainda que tenha sido, no passado, campeão de truco – confesso. Com direito a medalha e tudo mais. O passar do tempo, todavia, conscientizou-me. Hoje, nem víspora de igreja.

A minha ojeriza, no entanto, não resulta de nenhum trauma pessoal. Jamais perdi um tostão em jogos de azar. Nem mesmo na loteria ou na sena oficializadas. Por uma simples razão: nunca apostei. De igual modo, jamais entrei em uma daquelas casas de bingo que, até bem pouco tempo, infestavam a cidade e o país. E me sinto plenamente feliz por não formar no batalhão dos infelizes que todas as semanas aguardam a grande vitória que nunca virá.

Sempre fui um assalariado, satisfaço-me com a minha pobreza e não seria agora que resolveria ficar rico. Ainda mais, de uma hora para a outra. Em compensação, conheço bem os perversos efeitos da jogatina. Sou capaz de recitá-los de cor. Da simples inimizade entre amigos ao corpo de um suicida estendido no chão, passando pela ganância, pelo desespero e pela loucura.

Conheço um infeliz dependente que perdeu o apartamento da família em uma simples rodada de pôquer. Sei, também, de uma tradicional família curitibana, cujos membros eram obrigados a catar a matriarca nas madrugadas dos bingos de então, até o dia em que receberam uma conta que os fez desfazerem-se de seus carros para quitar a dívida da mãe.

Não se trata de uma questão de puritanismo. O jogo não é um problema moral, mas social. E criminal, porque por trás da jogatina esconde-se o crime organizado, o tráfico de drogas, a lavagem de dinheiro e a exploração de incautos, para dizer o mínimo.

Lembrai-vos de Waldomiro Diniz, que despachava no Palácio do Planalto, levado pelo companheiro José Dirceu, e que acabou flagrado recebendo propina para facilitar o funcionamento dos bingos? Diniz se faz merecedor, hoje, de homenagem por haver revelado, com sua conduta, o que se escondia por trás da inocente distração de velhinhas e velhinhos solitários.

Emprenhados pelo ouvido pelos oportunistas que os cercam, pelos lacaios dos gangsteres de Las Vegas, pelos trambiqueiros e pelos exploradores da ignorância popular, os nobres parlamentares querem suprir a falta da propina dos empreiteiros de obras públicas, hoje recolhidos aos costumes, pelos donativos das gangues dos bingos e da roleta. Aqui para vocês!

Célio Heitor Guimarães

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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