O jornalista Toninho Vaz foi amigo de Paulo Leminski e após a morte do escritor escreveu “Paulo Leminski, o bandido que sabia latim”, elogiada biografia e se não me engano o único trabalho de maior fôlego que existe sobre a vida do escritor curitibano, que morreu em 1989, aos 44 anos. Pois a viúva de Leminski, Alice Ruiz e suas filhas, Estrela e Áurea, estão querendo censurar a biografia porque não gostam de uma parte que relata o suicídio de Pedro, irmão de Leminski. As três familiares mandaram uma correspondência à editora, que cancelou a publicação de uma nova edição que estava pra sair.

O irmão de Leminski é essencial na vida do poeta e tem presença de peso na biografia. Era o caçula, que numa crônica publicada em um jornal curitibano depois do suicídio, Leminski chama de “meu único professor de violão”. A morte trágica foi uma razão de seus conflitos existenciais. É tão forte que é com a notícia do suicídio, recebida por ele do próprio Leminski ao telefone, que Vaz dá início ao emocionado livro sobre a vida do amigo.

Estrela, a filha mais nova, foi agressiva na sua página do Facebook: “Qual é a relevância de detalhes sórdidos do suicídio para uma biografia dele? Que relevância tem para a obra? Ou seria para dar um molho e vender mais?”, ela escreveu, tocando numa ponto que tem sido a preocupação de herdeiros na recente polêmica sobre censura à biografias: a venda dos livros.

É uma argumentação absurda que faz crer que biografias são hoje em dia uma mina de ouro no Brasil, o que não é o caso nem de livros que tratam da vida de ídolos populares, quanto mais de artistas e escritores com uma obra restrita, mesmo que de qualidade. Escrever uma biografia é um trabalho de longo prazo e demanda custos e riscos que exigem um empenho que geralmente só acontece quando existe um interesse pessoal do biógrafo na obra da personalidade retratada.

E aí estão herdeiros de vários artistas praticamente insultando pessoas que têm feito um serviço de extrema importância pela preservação e divulgação de fatos essenciais na construção da identidade nacional. No caso da censura exigida por herdeiros de Leminski a situação é ainda pior, pois afeta um biógrafo que esteve próximo do poeta. Foi amigo dele e até hoje tem proximidade com os que conviveram com Leminski em Curitiba. Além do mais, quando Vaz se lançou na feitura da biografia nada garantia o sucesso que veio depois com a publicação. E a meu ver a biografia escrita por ele é em boa parte responsável pelo revivescimento do interesse dos leitores por Paulo Leminski.

Esta censura dos herdeiros é até uma afronta ao que o poeta construiu em vida e expressou em tudo que escreveu. Sua obra toca as pessoas exatamente pelo confronto com o conformismo e foi dessa forma também que ele viveu até o fim. A marca essencial que Leminski deixou é exatamente o contrário dessa tentativa de controle sobre o que o outro faz.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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