O mestre que Curitiba esqueceu

Com o correr do tempo, muita gente está sendo esquecida por esta já não mais “mui leal e distinta Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais” – como dizia o saudoso Sérgio Mercer, quando investido das fidalgas funções do Barão de Tibagy, nas páginas do finado O Estado do Paraná. Ele próprio também (o Sérgio) já anda meio esquecido.

A verdade é que importantes figuras – que não tiveram a honra de integrar os compêndios da História do Paraná nem fizeram parte das edições da Casa da Memória – estão correndo o risco de sumirem da lembrança desta nossa ingrata cidade.

Marcel Leite é uma delas. Sabem vocês quem foi Marcel Ferreira Leite? Claro de não. Tirante alguns poucos iniciados ou de boa memória, normalmente jornalistas ou artistas, já entrados na casa dos setenta, ninguém sabe, hoje em dia, quem foi o genial Marcel. Pois saibam que foi uma figura fascinante. “Um intelectual de tempo integral, criativo como ele só, dimensão internacional” – segundo o jornalista Aroldo Murá Haygert.

Editor de livros e revistas, jornalista, cinegrafista, contador de histórias e artista gráfico dos melhores, Marcel esbanjou talento e inteligência aqui e alhures. Como chargista, podia ser comparado, sem favor, a J. Carlos, o grande mestre do traço e do humor do início do século. Esteve até na revista O Cruzeiro dos áureos tempos, no Rio, mas acabou retornando à sua amada Curitiba. Quando muito, se permitia algumas rápidas escapadas para Barra do Sul, um então desconhecido balneário escondido no literal norte de Santa Catarina. E só.

Nos tempos de Rio de Janeiro, tornou-se amigo do americano Orson Welles, que cumpria temporada no Brasil. Juntos, beberam todas à beira da piscina do Copa.

Bom papo, bom copo e agregador por natureza, Marcel Leite fazia os amigos atravessarem madrugadas em torno de sua conversa generosa. Contava casos, revelava fatos e situações, normalmente vividos por personalidades da vida pública paranaense, e tinha especial paciência com os jovens estreantes na vida jornalística, como o acima assinado, aos quais oferecia generosamente um pedaço da sua experiência. Tive a honra de ser amigo e discípulo dele.

Como registrou Murá, na revista Ideias de outubro de 2010, Marcel “reinava, com seu tamanho GG, e tinha o seu guruato (era um guru) na então sede do jornal O Dia, na Avenida Batel. […] Analista do cotidiano, era um ser humano despido de preconceitos e de papas na língua. Assim, cada encontro com ele era momento de abertura de cabeças para realidades que estavam ao nosso lado, mas que não percebíamos ou não queríamos ver. Iconoclasta, Marcel dissecava a sociedade paranaense com descrições às vezes ferinas. Mas quase sempre cheirando à verdade, especialmente aquelas que passavam pela vida sexual do próximo, gafes imperdoáveis de nomes nobiliárquicos, e os avanços aos cofres públicos. Escrevia raramente, mas suas narrações registraram história do cotidiano paranaense, o cômico e o sério escondidos pelos registradores da História.”

Oficialmente, Marcel era casado com Sara Ferreira Leite, com quem teve duas filhas, Juliana e Simone, e vivia em um apartamento na Rua Comendador Araújo, esquina com Brigadeiro Franco. Um pouco mais adiante, porém, no início da Av. Batel, defronte a O Dia, mantinha um endereço paralelo, a filial, dividido com a atriz, apresentadora da TV e posteriormente artista plástica Edde Izabel, mãe de seu filho homem, Tiago. Ali, reunia os amigos como Milton Cavalcanti, Nireu Teixeira, Percival Charqueti, Samuel Guimarães da Costa, Pery de Oliveira, Milton Ivan Heller e Valêncio Xavier, entre outros, todos já “encantados”, como dizia Guimarães Rosa.

Infelizmente, Marcel Leite foi embora cedo demais, vítima de suas próprias emoções. Um fulminante ataque cardíaco colheu-o em sua mesa de trabalho, em plena atividade, no jornal O Dia, em 16 de maio de 1961.

Em dezembro de 1996, o Museu de Arte do Paraná prestou-lhe uma homenagem com uma exposição de desenhos, humor e arte gráfica denominada Marcel Leite – Sal da Terra. Mas a importância do artista no desenvolvimento das artes gráficas, do jornalismo e da publicidade paranaenses ainda está por ser contada. Espera-se que não demore muito mais.

Célio Heitor Guimarães

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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