O novo cinema grego

atternberg2“Attenberg” está longe de ser um filme comum, mas isso deve ser um aspecto do cinema grego. O modo como desenvolvem a história, o jeito de filmar com longos planos sem diálogos, e cenas desconexas são algumas das características. O longa é sobre Marina, uma moça de 23 anos que mais parece uma criança, ela vive num mundo totalmente fechado, entre a melhor amiga Bella que é bem saidinha, e seu pai Spyros que está prestes a morrer por conta de um câncer. Sua vida se resume entre um emprego medíocre de motorista, cuidar de seu pai, trocar beijos com sua amiga, a única experiência que ela tem, já que repudia qualquer contato físico, e assistir os documentários sobre animais selvagens de Richard Attenborough, inclusive ela vive imitando esses animais, junto com o pai e a amiga. Ela evita se tornar adulta, e não é pra menos, a visão do futuro a assusta.

A história se desenvolve exatamente assim, vemos logo no início Bella ensinando Marina a beijar e comentando sobre, depois acompanhamos as idas ao hospital com seu pai, as exibições de passos de dança que Marina e Bella representam do nada. Nesse meio tempo Marina conhece um engenheiro interpretado por Yorgos Lanthimos (diretor de Dente Canino) do qual ela se sente atraída e aos poucos desenvolve um romance nada comum. Deixando que seu corpo sinta as experiências e assim descobrindo do que realmente gosta. Um fator interessante é como a morte é exposta, friamente encarada por Marina, já que ela não vive a realidade. Seu pai ainda vivo e ela tendo que tomar decisões, como o caixão que vai comprar, o tipo de serviço funerário que vai preferir, isso tudo causa uma sensação incômoda. Com o desejo de ser cremado Spyros tem que ser transportado para Hamburgo, na Alemanha, já que esse serviço está fora dos padrões da sociedade grega. O fio de sentimento que Marina esbanja é quando vê o como se é tratado depois da morte, tudo muito burocrático e sem um pingo de respeito pelo próximo.

Nada é explícito, o mal-estar por tudo que está acontecendo se esconde nas entrelinhas da trama. O nome do filme vem da má pronunciação do nome Attenborough (o cara do programa de animais selvagens), um simbolismo em meio a tantos outros. Sem dúvida uma obra artística e experimental, cujos apreciadores de cinema arte adorarão. A diretora Athina Rachel Tsangari nos dá uma pequena amostra de como o ser humano se comporta feito animais, como em certos momentos que ativamos o nosso instinto e seguimos em frente. Em relação ao sexo, a morte, a comida, enfim… O longa não nos puxa para dentro, não sentimos o que os personagens nos querem passar, até porque eles, principalmente Marina não sabe e não desenvolveu suas emoções ainda, temos apenas uma pequena chance de observá-los, mas como animais fechados em seus mundinhos e reagindo conforme as coisas acontecem. O clima é distante, mas não totalmente frio, às vezes a ternura aparece, mesmo que tímida.

Há críticas dizendo que é uma obra presunçosa, um filme feito para os próprios realizadores, mas há filmes que vem exatamente para confundir, e apenas sugerir formas, visões e não necessariamente expor uma obviedade. “Attenberg” mostra seres humanos que lidam com a dificuldade de enfrentar a morte, a descoberta sexual, e se infiltrar dentro de uma sociedade padrão, cujas responsabilidades só aumentam. É difícil percorrer o caminho que este longa oferece, talvez as cenas que julgamos desconexas são as que mais querem dizer algo. A dificuldade em decidir se gostou ou não surge, porque tentamos entender todo o contexto que por vezes é bem abstrato, e isso nos dá um certo desconforto, assim gerando a estranheza.

A imagem contemporânea da Grécia é mais ligada a crise econômica do que a cultura clássica, muitos críticos enxergaram na tortuosa narrativa nada mais do que uma metáfora da instabilidade do país. É uma solução possível, embora fácil demais. O roteiro não insiste nos fatores sociais, nem na política ou na economia, e se fecha em sua protagonista de maneira intimista e individual. “Attenberg” tem uma estética inovadora, o universo colocado em pauta é pequeno, o que dificulta achar razões e respostas.

É um filme inusitado e original, para quem gosta de se aventurar pelo cinema mundo afora é uma boa experimentação.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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