O outro general

Teatro, puro teatro, a entrevista do general Eduardo Villas Boas, comandante do Exército, na ‘Conversa com Bial’, da rede Globo. Claro que não veio do nada, foi resposta às declarações de Antônio Hamilton Mourão, outro general, que falou da possibilidade do golpe militar. O mais importante: o general Mourão não será punido, “a questão foi resolvida internamente” na corporação.

Se o general Mourão não é punido, questão não foi resolvida internamente no Exército. Havia razão objetiva, a quebra da disciplina, vital a qualquer força armada. O general fez pronunciamento político (1) na ativa e (2) sem o conhecimento de superiores. Vamos ler os sinais (1) o governo não tem autoridade moral para punir; (2) o general Mourão tem apoio na tropa.

Imaginem o general Mourão punido por dizer que há corrupção, seja no governo a que serve, seja nos anteriores a quem serviu. E que os políticos que ferem de morte os dois valores fundamentais dos militares – a moral pública e a nação – continuam impunes, soltos e até discursando na ONU. Ao não ser punido, general Mourão mostra mais força na tropa que seu chefe, general Villas Boas.

Ir à ‘Conversa com Bial’ pode ser jornalismo, dada a atualidade do assunto. Mas a rede Globo sempre foi palco de interesses mais dela e de quem representa do que dos brasileiros. Neste caso a estabilidade econômica, queridinha do empresariado, vocalizada nas reformas do governo Temer. Apenas leiamos os sinais: comandante do Exército em uniforme de campanha dá outra mensagem.

O general Mourão faz lembrar Nelson Jobim, quando ministro da Defesa, na pantomima de seu uniforme de campanha, exercendo atividade civil; se o general exerce função militar, naquele momento que viesse no traje de serviço interno da força. Não veio à televisão para comandar operação, real ou de treinamento. O traje de campanha fez o efeito contrário.

O general comandante em uniforme de campanha no horário nobre de programa de auditório revela uma disputa na tropa. O que Villas Boas refuta tem força ainda não testada, a moralidade primal da classe média brasileira. A que o general Mourão comanda se sustenta não na força de Michel Temer, o comandante-em-chefe, que é a do exército de Ali Baba, que ele frouxamente comanda.

O que mantém o Exército ainda silencioso é o valor essencial de qualquer corporação armada: a disciplina, que assegura a coesão e a cadeia de comando. Diga o general Mourão o que disser, a questão está longe de ser resolvida internamente quando substituiu a punição, regra da lei, pelo teatro midiático, regra do espetáculo. Na rede das novelas requentadas, essa já passou na rede Brasil.

Rogério Distéfano

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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