O poeta viu 2 palavras ameaçadoras: BRUTAMONTES e FACÍNORA

Reinaldo Figueiredo – Folha de São Paulo

“Lutar com palavras
é a luta mais vã.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã.”
Carlos Drummond de Andrade

O poeta queria escrever um poema denso e intenso, que causasse uma forte impressão no leitor. Seguindo as orientações de Edgar Allan Poe, escolheu para cenário um local soturno e lúgubre, um beco escuro, perto de um cemitério. E a hora seria a madrugada, bem depois da meia-noite. Mas o poeta, como todo poeta, era meio desligado e não percebeu que o local era muito perigoso e pouco policiado.

Enquanto ainda estava escolhendo cuidadosamente a métrica e as rimas que usaria no poema, o poeta viu, no fundo do beco escuro, duas palavras de aspecto ameaçador. Uma era BRUTAMONTES e a outra era FACÍNORA.

Aparentemente sem qualquer motivo, o brutamontes partiu para cima dele, furioso, com os punhos cerrados. O poeta, por instinto, se desviou e conseguiu evitar o golpe. Quando o brutamontes, ainda mais raivoso, voltou para uma segunda investida, o poeta deu-lhe um pontapé no saco, atingindo com toda a força o escroto. Quer dizer, o poeta ficou satisfeito por ter atingido o escroto com duplo sentido: o escroto, a bolsa escrotal, e também aquele cara escroto, no sentido de indivíduo sem escrúpulos e desprezível.

Mas aí o poeta observou que estava tergiversando, que também é uma palavra perigosa. Não era prudente ficar se distraindo com o verbo tergiversar —que também significa virar de costas— porque atrás dele, o facínora se preparava para atacá-lo com uma barra de ferro.

Nesse momento, o poeta se lembrou de que tinha trazido um Dicionário Houaiss, com capa dura, um volume medindo 31 x 22 x 9 cm e pesando 3 quilos e 700 gramas. Antes que o facínora se aproximasse, o poeta arremessou o volume. Ele pensou na hora que poderia ter tacado, jogado ou lançado o dicionário. Mas preferiu arremessar.

E fez bem, porque o tijolaço atingiu com violência um dos olhos do facínora, e o supercílio começou a sangrar imediatamente. Supercílio também é uma palavra traiçoeira, pensou o poeta. Será que é assim mesmo que se escreve? Ao mesmo tempo em que pensava isso, o poeta viu que o brutamontes e o facínora ainda estavam atordoados e aproveitou para fugir dali.

No dia seguinte, inspirado pelos acontecimentos daquela noite, o poeta se inscreveu num curso de MMA, já sonhando em entrar para a Academia Brasileira de Artes Marciais.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
Esta entrada foi publicada em O poeta viu 2 palavras ameaçadoras - BRUTAMONTES e FACÍNORA e marcada com a tag , , , . Adicione o link permanente aos seus favoritos.
Compartilhe Facebook Twitter

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.