O “Trevisânico” Dalton, dá o tom mórbido da escurez humana

dalton-trevisan-alberto-melo-vianaFoto de Alberto Melo Viana

“A fórmula do sucesso ninguém tem. Agora, a do fracasso é tentar escutar todo mundo e tentar colocar todas as ideias dentro do capítulo. George Moura (Amores Roubados/Rebu/Oficio em Cena)

O Vampiro de Curitiba vai fazer 90 anos, mas a Transilvânia de seu sangue cênico é a urbe Curitiba a palo seco. Considerado por Sérgio Sant´Anna o nosso maior escritor vivo, Dalton Trevisan se esconde em contos e assim na literatura insurgidora revela a máscara da sociedade pântano em que se tornou a espécie humana, made in Brasil; brasileiríssimos em contundências, estados invasivos e a canalhice mórbida dos trópicos enraizando na nossa cultura pindorama de placebos, do medo-rabo afroluso-tupi-davídico.

Não quer falar, nunca quis. Cala pelos cotovelos. Leiam os nanocontículos dele. Está tudo ali. Esquizofrêmitos, alucilâminas, historietas pra boy dormir, e outras picadas de dengue sem ser verborrágico, mas com algum dengo de dendê paubrasilis. Curitiba pinga, regurgita, agoniza mas não morre, mas a faca cega do autor ainda açoda. Dalton é isso, um Borges do Paraná com uns contos lagartixas pescando moscas mortas da sociedade tantã, lares armadilhas, bares de esgotos góticos, e entre sombras e escuridões caça/cava o buraco/favo da fechadura, da ferradura, da andadura partisan. Saravá, Dalton, 90 anos, rumo aos cem, que ninguém é de ferro e as escondidezas fazem bem pra pose, para a lenda, para o mito.

Não dá entrevista. Mas sua alma-chope preto está nas entre/vistas de suas cantárias em prosa ligeirinha, quase palitos acesos na carne, zíperes jogando ao léu as chiquezas e maldades do homem lodo, do homem verme no húmus. Dalton pega pesado em rápidas pinceladas. Arisco. Há riscos. Entulhos soçobram, e ele escreve e se esconde no não lugar do não ser: não está nem aí, nem aqui, talvez nem nunca ali mesmo nos livros pockets como porta-lapsos.

Escuta as falas alhures dos outros, bêbados ou dopados de alguma forma (cafeína, rabo-de-galo, comital, crack, álcool, cocaína, chá de losna, ego, crendice, fé, traição, impotência, efeitos colaterais do viagra),e depois bota no papel os entulhos dos subcretinos, seres/reses, como feridas vencidas, cascas de. Cara de coruja emplumada.

Amigos restritos. Contos resquícios de. Semblante pesado, cangas no lombo. O Vampiro de Curitiba corta o próprio pulso com estiletes de prosa. Não fala, mas, escrevendo e se escondendo terrifica a rotina cotidiana da masturbação do ódio customizado da elite pangaré… Curitiba, sai de baixo!

Tira véus, acende a lanterna dos afogados, polaquinhas, morenas, pés vermelhos, sandices e desvairados inutensílios. Dalton dá o tom. Passa o rodo no rímel, no laquê, no batom das etiquetas. Assedia as pá-lavras. Bota micos no incêndio. Purga. Fermenta. Mora sozinho com seus fantasmas babaquaras, seu estado de ausência no crível, no bizarro, no bisonho. Pulgas atrás da orelha de taioba. Cata entulhos e palavreia a gosto de nanonarrativas que sacolejam, expõem as vísceras de meios, famílias, sociedade, lumes neutros, larvas turvas, terra pústula.

“Escrevertendo” chorumes humanus, desordens empertigadas, dialoga com Helena Kolody, Nelson Rodrigues, Leon Eliachar, Oswaldo França Junior, Plinio Marcos, Bukovski, Rubem Fonseca, Antonio Abujamra, Millôr Fernandes, Sade. Revisita Leminski e repagina–o aqui e ali no que destila (ventila – merda no ventilador das ideias), tanto o desafeto, o desaforo, o devaneio de escariote arrependido, entre o lambe-lambe e o sexismo de águas furtadas, mixórdias e marotices no fluxo narrativo. Vai picoteando imagens, palavras, parágrafos, orações, feito uma Salomé tupiniquim servindo a cabeça de incautos, cenas rápidas, panos rápidos, sempre o fuzilo de um vapt vupt tresloucado em linhas próprias, sintaxe pessoal pareada.  Botando fogo na canjica, pimenta no reino das palavras, pedala panelas (tripas sociais no gourmet) de feudos, núcleos de abandonos, almas avelãs carentes em suas infovias efêmeras e com novos berrantes contemporâneos. Ai de si. O engate é mais embaixo, o engasgo é mais encaixe, a hipocrisia é coletiva. Habemus Trevisan dando o troco, dando seus solo rápidos, dando o ar de sua graça ermitã, impurezas no tranco.

O coxinha pé vermelho, a boneca inflável, o velho tarado, a volta por cima, a tesão-coice vendo a etiqueta da cafona langerri encardida apontando o cofrinho, a pedaçuda biscatinha casada com coleira, o marrento marido traído com coleção de chifres (terceirizando a relação inferno), o maroteiro e solitário piá peidorreiro, carente  e com amarelão amando a sua mão; a rixa de galos, cacarecos, caca-restos, ‘bijutelíricas’ prosaicas, cismas e paradoxos, sepulturas mal-caiadas, tudo reina em contos agulhinhas no palheiro do reino de Dalton Trevisan, e ele, com estêncil na alma nau, vampirizando neuras, sublimações, erranças e solilóquios dessa ‘gentehumana’ mal escarrada e cuspida no “cáostolico”, que de si mesmo di-verte-se.

Contos cartuns. Privadas púbicas, restos, réstias. Restos canalhas de nós mesmos. Moral da pequeno burguesia fede a Freud e a pau de sebo

E Dalton existe, resiste, e escreve o curtume.

Rimos dos arranjos coloquiais dele, solos de ampulheta. De-vereda, de-croque, o malazártico macunaímico. Olhai os delírios no canto do clube. Párias com casa na praia. Ferro e fogo fátuo. Crime e castigo. Cem anos de escuridão; contos lampejos, lampiões, vaga-lumes, tiriricas.

Andei, muito tempo atrás, recebendo por via indiretas de amigos de Curitiba (como o saudoso Jamil Snege), alguns livretos dele. Depois perdi o fio da meada.

Mas, em terra brasilis que deveria se chamar Pau Brasil, e não só Brasil (imaginem os puteiros despertencidos), Dalton Trevisan relampeja. E somos todos coiós bebendo do que cai de sua mesa de lince acuado. Se não existisse como estrela brilhante na literatura brasileira, teria que ser inventado… Conta outra.

Feliz aniversário, Vampiro. Noventa e não chove. Noventa mas não inventa… Dá o tom. Os caras pálidas que vão te ler são saúvas. E as saúvas ainda destruirão o Brasil. E selfie-se quem puder.

Silas Corrêa Leite

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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