O “Viva la Muerte!” de Bolsonaro

Ontem, 9 de novembro de 2020, foi um dia feliz para a espécie humana: a Pfizer anunciou que a vacina contra a Covid-19 produzida pela empresa, em parceria com a alemã Biotech, obteve 90% de eficácia nos testes realizados até o momento. Até então, estimava-se que as vacinas em desenvolvimento poderiam ter, em média, 50% de taxa de imunização efetiva. É uma excelente notícia porque agora temos uma porta de saída mais larga para o flagelo que golpeia as nossas vidas, em qualquer latitude. Ainda vai demorar um pouco para atravessarmos o umbral que nos levará de novo a ter um cotidiano normal, visto que é preciso produzir e transportar bilhões de doses, mas a passagem existe e é alcançável.

Cerca de 24 depois do dia feliz para a espécie humana, os brasileiros foram presenteados pelo presidente Jair Bolsonaro com o dia da infâmia. Ele comemorou no Facebook  o fato de Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ter interrompido os testes com a vacina do laboratório chinês Sinovac, comprada pelo governador de São Paulo, João Doria, e que será produzida também pelo Instituto Butantan. Um dos voluntários morreu e o estudo clínico foi suspenso pela agência para verificar se o óbito guarda relação com a vacina ou não (já se sabe que a resposta é negativa).

A comemoração de Jair Bolsonaro foi no Facebook. Ele compartilhou uma postagem de um admiradora, que escreveu o seguinte: “Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Doria queria obrigar a todos os paulistanos tomá-la. O Presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha.”

Ele ganha…

“Viva la muerte!”, porque é disso que se trata. O presidente da República Federativa do Brasil comemorou a morte de um cidadão brasileiro. Comemorou a morte de um voluntário de um teste com uma vacina que pode preservar a vida de milhões de cidadãos brasileiros, igualmente. Comemorou a morte com uma notícia falsa, já que a vacina não causa invalidez e anomalia — pelo contrário, ela tem se mostrado bem segura — e a morte do voluntário, de acordo com as autoridades paulistas, não está relacionada à administração da vacina. Comemorou porque só tem olhos para o adversário político João Doria, não para a saúde dos brasileiros, como vem sobejamente demonstrando desde o início da pandemia. Comemorou sem lembrar-se de que os testes com a vacina da AstraZeneca, produzida em parceria com Oxford e comprada pelo governo federal, também foi interrompido por causa da morte de uma voluntária — e logo retomado.

A Anvisa anunciou a suspensão ontem à noite e pegou o Instituto Butantan de surpresa. “Falha de comunicação” e “preocupação exagerada”, contemporizou Dimas Covas, presidente da instituição. As evidências mostram o contrário: tem cheiro, cor e forma de politicagem para satisfazer Jair Bolsonaro, que considera uma vitória pessoal a suspensão do teste com a vacina comprada pelo governador João Doria. Suspensão causada pela morte de um cidadão brasileiro, repita-se.

De acordo com este site, Doria disse a um interlocutor que “Bolsonaro jogou gasolina nas suas próprias vestes, não merece nenhuma resposta”. Não sei você, mas estou enojado com mais esse ato de psicopatia do presidente da República Federativa do Brasil. Precisamos atravessar também esse umbral. Será a melhor resposta.

Mario Sabino

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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