Os cínicos, os suicidas e o caroço de porco no cérebro

Até bem pouco tempo a gente sofria com gosto, pois o Brasil era o país do futuro. Éramos maltratados, até mais do que hoje – é preciso reconhecer, mas a desgraceira tinha um significado maior, que justificava todo sacrifício: logo logo, assim que entrasse uma graninha, isso aqui ia virar um Canadá sem gelo, um EUA sem caretice, um Japão sem disciplina marcial, uma Europa sem mofo, uma Austrália sem tubarões.

Bastava à nossa população – composta por gente amiga, criativa, cordial, bem humorada e cheia de amor para dar – esperar, sentada ou de enxada na mão, o advento do grande porvir, pois o destino, glorioso, já estava traçado. Movidos por essa certeza absoluta, defendíamos nosso modelo tropical de civilização com fé cega, digna de homens-bomba, dispostos a morrer antes de ver a pátria invadida pelos batalhões da razão, do bom senso e da inteligência.

E o futuro, ficou para amanhã? Talvez a gente tenha passado direto por ele, sem reconhecer. Talvez, como bom brasileiro, o futuro seja um tremendo gozador e esteja brincando de esconde-esconde. Talvez a glória prometida, no final das contas, seja esse eterno vir a ser, esse mais ou menos. Talvez, quem sabe.

Como um pesadelo repetitivo, rodado em câmera lenta, vimos as culpas pelo atraso do nosso futuro se tornarem enredo de interminável carnaval. A Grande Culpa dos Americanos. A Culpa do Populismo Trabalhista. A Culpa da Esquerda Desunida. A Culpa do Presidente Bebum. A Culpa da Direita Sinistra. A Culpa da Crise do Petróleo. A Culpa da Transição Democrática. A Culpa da Inflação. A Culpa da Dívida Externa. A Culpa do FMI. A Culpa da Imprensa Golpista. A Culpa da Ladroagem. A Culpa dos Outros. A Nossa Máxima Culpa.

Carros alegóricos de todas as cores, carregados de culpas, ano após ano, lançaram seus refrões grudentos, até as desculpas esfarraparem por completo e desfilarem peladas diante dos foliões.

Para finalizar, as boas notícias.

A ciência descobriu que a tal mania de “país do futuro” era na verdade doença contraída de um mesmo parasita, a taenia solium, que atingia grande parte da população da época.

Nas tripas, o bicho ataca na forma de um gigantesco verme conhecido como Solitária, que suga as energias, tira as forças e mina a saúde da vítima.

Quando entra pela pele e vai para a corrente sanguínea, vossa excelência, o verme, acaba gerando caroços que, quando alojados no cérebro do cidadão, causam uma espécie de paranoia-esquiso-psicóide. Cada um deles ou os dois juntos podem evoluir para um estágio avançado da doença, conhecido como Brasil Grande.

Para prevenir, curar e evitar a reinfestação de tais males é recomendável que você, além de proteger seu milharal da invasão de javalis, catetos e queixadas:

1)Verifique criteriosamente a procedência dos porcos.
2) Frite os suínos duvidosos em fogo alto.
3) Lave as mãos depois de cumprimentar um cachaço.
4) Não frequente chiqueiros.
5) Não ceve os animais com fezes.
6) Não fuce na lama.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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