Osni das muitas artes

Na história da criação, inauguração e consolidação da televisão do Paraná, que eu e Luiz Renato Ribas estamos escrevendo, com base no registro da revista TV Programas – que Ribas, Rubens Hoffmann e eu editamos nas décadas de 60 e 70 –, há muita coisa curiosa e interessante. Se alguma editora tiver a indulgência de publicar a obra, antes que ela se torne póstuma, o leitor conhecerá (ou relembrará de) figuras hoje quase esquecidas lamentavelmente. Como o “turco” de Palmeira que encasquetou trazer a televisão para o Paraná e venceu a corrida com o todo poderoso Assis Chateaubriand, comandante dos Diários e Emissoras Associados e que fora o pioneiro da América do Sul.

Há muitos bravos nessa história de precursores. Gente que saiu do rádio para realizar a façanha de levar o som e a imagem aos lares de Curitiba e do Paraná. Sem nenhum know-how, mas muito sonho na cabeça e muita vontade de fazer. Gente como Olavo Bastos, Renato Mazânek, Elon Garcia, Tônia Maria, Silas de Paula, Clemente Chen, William Sade, Jamur Júnior, Roberto Menghini, Gláuco Sá Brito, Maurício Távora, Sinval Martins, os Irmãos Queirolo e tantos outros.

Para homenagear esses arrojados personagens, cujas figuras a passagem do tempo já ameaça apagar e a fraca memória dos paranaenses começa a esquecer, vou selecionar, hoje, o bom Osni Bermudes das muitas artes, falecido prematuramente aos 68 anos, em novembro de 2001.

Quando a TV começou a engatinhar no Paraná, Osni Antônio Bermudes, curitibano de nascimento e “coxa-branca” desde pequenino (talvez o seu único grande defeito) – era filho de “Ninho”, centro-médio do então poderoso “esquadrão” do Alto da Glória – estava na Rádio Marumby. Era operador de som e sonoplasta. Mas sempre foi um curioso e “arteiro”.

Em 1960, quando a cadeia “Associada” fincou pé no Paraná, Osni se apresentou a Adherbal Stresser, diretor-presidente do Canal 6. Queria fazer parte daquela aventura. Foi um dos primeiros contratados. Inicialmente, como assistente; mas logo passou a diretor de TV e assessor da direção artística.

Ali começou a aprender e passou a ensinar. Fez muita “arte” na direção de TV em shows que marcaram época nos primeiros anos da televisão da Terra dos Pinheirais. Mas havia uma coisa que incomodava – e muito – o inquieto Osni: o padrão fixo do prefixo da emissora, umslide parado, monótono, exibido na transição de um programa para outro. Uma noite, deu-lhe um estalo: por que não dar movimento àquela chatice? Pediu licença para a “patroa” Maria Helena, foi à pequena oficina que mantinha em casa, reuniu alguns pedaços de brinquedos dos filhos – até então os gêmeos Ana Cristina e Osni Jr.; mais tarde chegaria o Gil, hoje um dos mais talentosos cinegrafistas da RPCTV –, adaptou-os a minúsculos motores, adicionou alguns desenhos encomendados à cenografia e pronto! Estavam criadas as suas “traquitanas”, que tanto prazer dariam, anos a fio, aos telespectadores.

— Como ainda não existiam no Brasil os complicados aparelhos eletrônicos, já comuns dos EUA, achei que poderia produzir efeitos decorativos no vídeo, usando alguns desenhos e bonecos em movimento. E não é que deu certo! – comentaria depois, com excessiva modéstia, acrescentando: “Na verdade, as minhas ‘traquitanas’ funcionavam através de dois desenhos, um fixo e outro móvel. Ambos eram focalizados por uma câmera e produziam efeitos diversos, como raios que giravam em torno de um círculo, linhas verticais, horizontais ou transversais que se movimentavam no vídeo, mantendo um espaço circular ou quadrado no centro. Outra câmera encaixava a cena no espaço em branco”.

Quando se transferiu para a TV Paranaense, Osni rebatizou as “traquitanas” de “engenhocas” e aperfeiçoou a invenção: os efeitos passaram a sair de um sistema de espelhos dispostos em “pirâmides”.

A carreira de Osni foi toda marcada de sucessos, mas foi na TV Iguaçu, Canal 4, inaugurada em 1967, que seriam registrados os seus maiores momentos.

O Alto das Mercês seria palco para acontecimentos televisivos marcantes. Como o primeiro programa via-satélite, ao vivo, unindo Curitiba e Porto Alegre, “O Grande Desafio”. Mas ali aconteceu, sobretudo, o “Show de Jornal”, o maior noticioso da televisão do Paraná e um dos melhores já feitos até hoje na televisão brasileira, com mais de 90% de audiência cativa. Ia ao vídeo todas as noites. O ritmo era ágil, descontraído, profissional, antecedeu em vários anos o que hoje é comum no vídeo. Jamur Júnior, J.J. de Arruda Neto e Lota Moncada (depois, Hortência Tayer e Laís Mann) eram os apresentadores; Renato Schaitza, Adherbal Fortes de Sá Jr. e Francisco Camargo cuidavam do texto; Ducastel Nicz dirigia. E Osni Bermudes, na mesa do switche, comandava o espetáculo, cortava as imagens e orientava o pessoal:

— Atenção, Jota! No ar! Vai, Jamur! Agora, Hortência! Olha o filme! Preparar slide Pimentel!

Olhos fixos nos monitores, de sua mesa de efeitos, manipulando chaves e botões, o “gordo” Osni conduzia o show. E assim fez durante muito tempo, até ser convocado para montar e coordenar o sistema de TV em circuito fechado da Telepar, onde permaneceu até ser solertemente atingido por dolorosa moléstia, que aos poucos lhe foi consumindo o talento e a vida.

Grande Osni Belasartes!

céliodois

Blog do Zé Beto

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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