VOCÊ ENVERGONHA a classe dos casados, desabafei com o amigo. Temos cinco décadas de intimidade respeitosa, não esse abuso dos jovens a quem mal se concede atenção e começam a perguntar nossa idade. O amigo rende culto e devoção à mulher, por quem faz coisas degradantes para o universo masculino. Toda manhã ela passa-lhe as tarefas, o bilhete na cabeceira – para dormir até tarde. Tarefas vis, degradantes.

AMOR NÃO ESQUEÇA a feira, Vida, pegue a bolsa no sapateiro, Paixão, me traga dinheiro do banco. Teve até o dia com o bilhete e o sutiã: Môr, costure o fecho, arrebentei sem querer. Ele ainda cozinha, lava e passa. Escolhe os sapatos dela e, tenho horror de referir, pinta-lhe as unhas, todas. Se a fulana for uma brastemp, não abri a porta para conferir gavetas e bandejas e molhar o dedo na geleia, essas intervenções no guarda-comida.

ENTENDI QUE ELA paga bem, agradece e promete nos bilhetes: Beijos mil, Uma lambida na orelha, Zilhões de chupões. Ele conta, exibido, mas não explica, a promessa da “bolina com pena de ganso”. A vida dos dois é acompanhada pela diarista, machista até a medula, que adora o patrão. Chega cedo para lhe preparar o café e espera sua chegada para entregar o robe de chambre. Não fosse ele, teria pedido a conta.

A DIARISTA ODEIA a patroa folgada e deseja o patrão desde que leu o bilhete fatal: Te pago com bilhões de boquetes. Desse dia em diante a devotada trabalhadora derrete-se para o patrão, seus olhos, parados, lânguidos, líquidos, de uma ovelha no cio.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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