Padrelladas


Diário do Pandemia

Não sou homem que leva desaforos pra casa” – disse o meigo rapaz. “Pego eles e levo-os a passear pelos parques da cidade, pelos campos que rodeiam Curitiba, depois lhes digo adeus para que vivam sua vida em liberdade”.

É um povinho muito rico em inventices, esse aqui do condomínio. Alguém deu a ideia de fazer um jogo assim: dizer os nomes dos dinheiros por esse mundo afora. Ou a dentro, se você vai visitar o médico do ozônio. Quem começou foi o Antenor (nome fictício, que nunca consigo lembrar como se chama esse lazarento). Ele disse “Real”, mostrando sua falta de generosidade em fazer a escolha mais fácil. “Dólar” – disse a mulher que enche minha casa de gatos, a maioria camuflados em moiséses, não sei donde que ela tira tantas cestinhas. “Mil-Réis”, disse o capitão que toma banho no ofurô e se não furô é só dar uma passada em Santa Catarina que o furo dança. “Euro”, bradou a vizinha que mora longe, lá nos quintos do apartamento 16. E a coisa foi afunilando. Já estávamos em sestércio, em dinaro, em xelim.

            – Xereca – bradou o juiz de briga de galo.

            Um silêncio constrangedor. Depois de um tempo, o cara explica que era uma moeda usada só nos lupanares de Pompéia. Ninguém acreditou, mas juiz falou, tá falado.

            Anos se passaram. Um dia, alguém lembrou de reviver aquele jogo. O primeiro dinheiro lembrado foi “Xereca!”. (A moeda tinha sido absorvida pelos contendores).

            – Frango!

            – Que frango, rapaz?

            – Era moeda de troca no sítio onde eu morava.

            – Moeda de troca já foi falada. Está subliminarmente explícito em xereca.

            – Então, então…deputado!

            Risos muitos. Alguém se lembrou do tempo que éramos felizes e não sabíamos. A brincadeira já tinha acabado, mas continuávamos on line, jogando conversa fora. Foi quando Eulália (nunca hei de me lembrar do nome da vizinha do 13, fica Eulália mesmo) gritou:

            – Cruzeiro!

            As risadas cessaram e uma nuvem de saudade – talvez até remorso -, nos cobriu a todos.

Às vezes, me faço à sacada e ponho-me a berrar: Amafalda! Amafalda! Lembrança de alguma menina que devo ter amado num ontem sepultado na memória. Analice! Analice! foi minha namoradinha quando eu, cheio de medos e alegrias, encontrava-a na pracinha da cidade onde morávamos. E tinha a Célia, que um dia me segurou num canto da casa e quis que a beijasse, e eu escapei daquele abraço porque a amava muito e foi a última vez que nos encontramos e eu a amo até hoje. Éramos tão crianças! Celinha! Celinha!, grito da sacada, nas madrugadas bêbadas, eu infeliz por aquele beijo que ficou faltando. Maria Alice! Teresa! Nanci! E sempre uma voz anônima surge do nada para gritar Cala a boca, burro! Ou Vai dormir, desqualificado. Foi ontem que, tomado por um sentimento que não pude decifrar, pus-me a gritar: Democracia! Democracia! E de todos os apartamentos veio a resposta no som de panelas sendo espancadas, e isso me trouxe um sentimento tão forte, uma irmanação com todos os que sentem perdidos.

DITADOS AVÍCOLAS BRASILEIROS: Ligado que nem frango novo em terreiro de galo velho.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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