Palavras com pai ou mãe

RIO DE JANEIRO – Na noite de 26 de junho de 1968, os repórteres do “Correio da Manhã” que cobriam a grande passeata contra a ditadura chegavam de volta ao jornal, cada qual com uma estimativa sobre quantos tinham estado na avenida Rio Branco aquela tarde. Os palpites iam de 50 mil a 150 mil –não havia números oficiais e ainda éramos fracos em calcular multidões. Pery Cotta, que secretariava a Redação, resolveu tirar a média: 100 mil. E assim surgiu a “Passeata dos 100 mil”. O que era, então, muita gente.

Hoje, Pery –que eu não via desde a noite do Ato 5, há 47 anos, e que reencontrei outro dia num almoço de veteranos do “Correio da Manhã”– acha que foi modesto. Por sua experiência em passeatas posteriores, calcula que os “100 mil” teriam sido entre 300 mil e 400 mil. Estes, sim, números impressionantes numa cidade de menos de 4 milhões de habitantes. Mas agora é tarde: a passeata passou à história como a “dos 100 mil”, e quem a batizou foi Pery.

Como esta, há palavras e expressões que, de tanto as usarmos, parecem ter surgido do nada ou sempre existido. Só que muitas tiveram pai conhecido e hora para nascer. Eis algumas.

“Fossa”, como depressão, angústia, foi criada pela pintora Liliane Lacerda de Menezes nos anos 50. A primeira vez que ouvi “mídia”, como meios de comunicação, foi por Paulo Francis, em 1970. “Pô!”, “mifo!” e “sifo!” foram criações coletivas do “Pasquim”. Já “esquerda festiva” se deve ao jornalista Carlos Leonam, pouco depois de 1964. “Contracultura”, ao também jornalista Luiz Carlos Maciel. “Devagar, quase parando”, ao fotógrafo Paulo Goes. E “aspone”, simplificação de “assessor de porra nenhuma”, ao economista e aspone Roniquito de Chevalier.

E as do Nelson Rodrigues? E as do João Saldanha? E as de tantos outros? Ficam na geladeira, como dizia o Ibrahim Sued.

ruy castro

Ruy Castro – Folha de São Paulo

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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