Pensando bem…

© Myskiciewicz

Michele Pinto, pobre Michele, não poderá fruir seus cem anos de perdão. Sim, aquele mesmo, a indulgência moral do ladrão que rouba de ladrão. Aliás e em tempo, para evitar processo por calúnia, não afirmo nem considero Michele ladra. Ainda que alguma vez tivesse – atentem para o condicional – furtado, vejo nela a atenuante moral de quem serviu a outro, este sim com folha corrida no cartório criminal.

Outro, não, outra, no caso a empregadora de Michele, nada mais nada menos que Adriana Ancelmo, ex-primeira dama e primeira cúmplice no governo peculatário do marido Sérgio Cabral. Importante lembrar que governador e primeira dama estão presos por ordem da justiça federal (a estadual não autoriza prisão de nababos, e só os condena uma semana antes da prescrição impedir a prisão – nem dá tempo para o trânsito em julgado).

Pois é, Michele é processada e escrachada por Adriana. Diz esta que Michele abusou de sua confiança nos dez anos de emprego: desviou dinheiro com os cheques em branco, assinados pela patroa, usou os cartões de crédito desta (por que gente de governo e família usa tanto cartão?), essas coisas que a sharia autoriza cortar a mão de quem faz. Não daria para usar a sharia – rima e solução – porque Adriana também estaria sem mãos.

Tem advogado esperto por trás disso de Adriana levar Michele para a delegacia, imputada de crime contra o seu – dela Adriana – patrimônio. Michele não deixou barato e entregou o sistema de carga e descarga de dinheiro vivo no escritório de Adriana, sala envidraçada, em frente à sua: R$ 200, 300 mil semanais, trazidos em mochila por auxiliar do marido; idas e vindas de gente da joalheria H. Stern trazendo ouro, pedras, colares e braceletes para a primeira dama.

O imbróglio entre as duas assumiu contornos de suspense, espionagem. No último dia de trabalho Michele deixou a bolsa sobre sua mesa e foi se despedir dos advogados do escritório. Chegando na rua percebeu que o pendrive onde levava provas dos malfeitos da primeira dama, bem assim a agenda de idas e vindas, fora surrupiada de sua bolsa. Ao chegar em casa, seu telefone celular teve a memória apagada à distância.

Crime convida ao crime, Michele via o dinheiro brotar, mensal e fácil, sem fonte legítima, torrencial, como declarou aos juízes: R$ 800 na conta menor, R$ 1.200 na maior. Dele saíam salários do escritório (8) e da residência do casal Cabral (17). De 2005 a 2015 Michele assistiu a multiplicação dos pães e dos dólares. Cúmplice involuntária, decidiu compartilhar: a mochila-família para Adriana, bolsa-família para ela.

Rogério Distéfano

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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