Afinidades eletivas Quando menos velho e mais ignorante usava a expressão para impressionar as mulheres. Ao olhar de surpresa ou de falsa compreensão delas, completava: ‘É que gostamos das mesmas coisas, tanto temos em comum’. No iludido imaginário masculino achava que naquela rede colheria sereias, quando as sereias é que o pescavam, quando pescavam. Ele era mais ignorante porque ainda não sabia que a expressão tem dono, coisa de séculos, o livro de Goethe sobre o casal em que cada parceiro se apaixona pelo parceiro correspondente de outro casal – isso tem nome em brasileiros, vocês sabem muito bem.

Ele não leu o livro, sob desculpas rotas e esfarrapadas. Teria que ser no original, as traduções brasileiras são péssimas. Bem que tentou aprender alemão. Mas a vida é curta demais para aprender alemão, disse Oscar Wilde. Tem o problema dos verbos, metade no começo, metade no fim da frase. Falar alemão é como nadar: o sujeito sobe ao trampolim, berra o começo do verbo, mergulha e vai pegar o resto ao emergir, no outro lado. Goethe, o Instituto, tem registro de que ele tentou falar alemão por causa dos netos alemães. Desistiu. Cabe aos netos aprender português, exige a disciplina alemã. Porém os pequenos boches sacripantas do português só falam palavrões – ou schimpfworte, na língua de Goethe.

Ele relembra as afinidades eletivas com a ex-namorada, depois mulher e avó dos pequenos boches, nada de sacanagens goethianas. Assim foi até que ela passou a receber Sérgio Moro e Édson Fachin em casa – no sentido virtual, claro. Ali as afinidades eletivas, se não ruíram, enfrentam tentação tão grande quanto as do Goethe real. Cinema, literatura, viagens, longas caminhadas, conversas, música, perderam lugar para Lava Jato, impiche, grampos. Ele continua a olhar para trás, as intrigas do século 13, as tramas do papa Inocência contra o imperador Frederico, as cruzadas, as da história e as da revistinha, nada do presente lhe interessa. Ela vive a neurose do amanhã, teme que o exibicionismo tire a autoridade de Moro e que Fachin vacile no terçar com “aquele gênio do mal, o Gilmar Mendes”. 

Rogério Distéfano

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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