2009

No Tempo em que o Porco Marchava

Talvez eu andasse exagerando na bebida, mas desconfio da hipótese: sempre fui bêbado lúcido. Fato é que um dia, sem anúncio prévio, vejo dois dos grandes talentos com quem trabalhava na época batucando uma – seria inevitável o cacófato se não fosse esta frase entre travessões – marcha deliciosa. Sérgio Mercer e Solda tinham sacado a Marcha do Porco Chovinista.

Como aquilo tinha acontecido sem que eu soubesse, sigo ignorando. É o problema de trabalhar com gente acima da média. Quando menos se espera, lá vem uma tirada genial.

Sérgio Mercer usou a introdução de outra música composta por ele, a Marcha do Saldo Médio. Naquele tempo, Mercer e muitos dos seus amigos, eu incluído, vivíamos pendurados em bancos. Eu continuo. Era difícil prorrogar os títulos, os gerentes exigiam bom saldo médio na conta. Ele transformou aquilo em música: “Minha vida não tem remédio/ O gerente quer saldo médio”. Então gritava: “Fui no Banco Itaú/ O gerente me mandou…” e mandava ver na introdução. “Fui no Banco do Brasil/ O gerente me mandou pra…” e dá-lhe o tarará-tarará da abertura. Com a introdução emprestada, compuseram o Porco Chovinista. Eles cantavam o refrão com empolgação de puxador de samba, batendo o punho na mesa. Era muito engraçado. Chico Branco virou parceiro na composição das estrofes da segunda parte. Tinha alguns aspectos, digamos, chulos naquela letra, como o grossérrimo: “Tire os pelos do teu sovaco” ou o preconceituoso “Quando a mulher reclama/ Deve ser falta de cama”.

Dei um palpite ou outro na letra, extraídos da versão definitiva como pelo encravado. Minha participação ficou apenas na organização das estrofes, se bem me lembro. Ou seja, a formatação: aqui canta isso, aqui canta aquilo.

A Marcha do Porco Chovinista espalhou-se como rastilho. Virou sucesso do Bife Sujo ao Ile de France. É verdade que a época ajudava. Os chauvinistas eram uma espécie de porco expiatório da liberação feminina, se me faço entender.

O tema virou sucesso carnavalesco, quando Solda e seus alcoólicos notórios inventaram o Bando do Porco e com ele desfilaram no carnaval. Faz tanto tempo que, na época, o carnaval curitibano ainda estava na terceira idade. O mesmo Solda contou que certa vez encontrou em Camboriú um sujeito que cantava a marcha como se fosse composição dele. Nem ao menos pagou um rabo-de-galo – ou de porco – ao verdadeiro autor, sentado ao lado. Devia ser um daqueles porcos da Revolução dos Bichos, usurpador de obra alheia.

Pois está aí o problema. Mesmo tendo feito sucesso, a Marcha do Porco Chovinista jamais rendeu um tostão em direitos autorais. A obra foi gravada, mas não editada. Só nos resta lamentar tamanha miséria. Porca miséria.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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