Privilégio é para quem pode

Meu estimado companheiro de luta Mário Montanha, em comentário publicado aqui nessa terça-feira, disse que há coisas, neste Brasil varonil, que ele não entende. Somos dois, Da Montanha. Eu, por exemplo, demonstrando a minha imensa ignorância, não consigo entender o mimo denominado Regime Emergencial de Operação e Custeio do Transporte Coletivo, conferido às empresas de transporte coletivo de Curitiba pelo diligente prefeito Rafael Greca. Em miúdos, é um socorro financeiro ao transporte coletivo. Foi concedido em maio, por 90 dias, mas a Câmara Municipal da cidade acaba de prorroga-lo, em regime de urgência, até dezembro, por conta da atual pandemia.

Qual teria sido o motivo do benefício? O preço das passagens por acaso baixou? Foram aumentados os benefícios ofertados pelas empresas aos passageiros?

Nada disso. Segundo nota da Câmara Municipal, “o objetivo é minimizar o impacto financeiro da queda de receita em razão do isolamento social. O Executivo aponta que o número de passageiros pagantes caiu 22% em relação ao período anterior à crise. O projeto prevê repasses às concessionárias para cobrir exclusivamente custos variáveis e administrativos (com combustíveis e lubrificantes, conforme a quilometragem rodada), tributos (ISS, taxa de gerenciamento e outros) e com a folha de pagamento, incluídos plano de saúde, seguro de vida e cesta básica para os trabalhadores do sistema”.

Não é uma graça? O número de passageiros diminuiu, as empresas deixaram de ganhar o que ganhavam, e essa diferença está sendo suprida pela Prefeitura Municipal, com o dinheiro de todos nós, muitos dos quais não usam ônibus ou sequer saem de casa…

Ah, o número de passageiros foi reduzido por veículo e há que ser obedecido certo distanciamento social? Pois bem, é uma exigência de saúde pública, a ser cumprida por todos. Bares, restaurante, lojas comerciais, hotéis e demais prestadores de serviços. Está todo mundo no prejuízo ditado pela pandemia. Todo mundo menos as empresas do transporte coletivo de Curitiba. Essas não podem arcar com a redução de ganhos e precisam ser ressarcidas. Foi o combinado naquele jantar à luz de velas, no Country Clube, reunindo Rafael Waldomiro e os Gulin.

Na minha opinião, as concessionárias deveriam descer ao inferno. O demônio às espera há muito tempo. Sempre foram privilegiadas pelo poder público, quando da definição do custo das passagens. Nunca cumpriram a obrigação de aumentar o fluxo dos veículos para atender à demanda, nem mesmo nos horários de pico. E muito menos agora, em que se proíbe a aglomeração no interior dos ônibus. Mas querem continuar lucrando.

O roliço alcaide, no entanto, fiel devoto de Nossa Senhora da Graça e da Luz dos Pinhais e da “nossa Curitibinha”, nega que se trate de subsídio e que o programa preveja repasse de R$ 200 milhões às concessionárias do transporte coletivo, para compensar a perda de 70% de passageiros por causa da pandemia do coronavírus, como denunciou o deputado federal desmancha-prazer Gustavo Fruet.

Com o poder de embaralhar os fatos e deles sacar coelhinhos mágicos, Rafael garante que “é de 51% a economia de recursos com a Lei de readequação do contrato do Transporte Coletivo Urbano. A proposta da Prefeitura desta Operação Covid-19 pela URBS reduz a rentabilidade e amortização das empresas a zero”. Falou e disse, sem dizer nada.

Então, tá. O mesmo efeito vem atingindo os taxistas, motoristas de úberes e motoristas do Serviço de Transporte Escolar, todos devidamente cadastrados no Município e com parte da renda comprometida. Mas 21 vereadores votaram contra, em atenção à orientação do Rafa. Não constam da lista de privilegiados do prefeito.

Tem uma eleição se avizinhando. Espera-se que o leitor lembre disso. Não lembrará. Todos acham Rafael Waldomiro uma gracinha!… 

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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