Quando o Judiciário deixa vítimas no caminho

A carta enviada pela advogada Lilian Velleda Soares à ministra Rosa Weber, do STF, noticiada no Contraponto, do jornalista Celso Nascimento na segunda-feira, é um dos mais significativos libelos contra a morosidade da Justiça brasileira. Morosidade que não apenas decepciona e entristece, mas também mata. Nele, a defensora de Celmar Lopes Falcão anexa a certidão de óbito de seu cliente, um homem de 80 anos, que aguardava o julgamento da Suprema Corte há 11 anos, e “parabeniza” a ministra “pela demora”.

“A sociedade está cansada de um Judiciário caríssimo e que, encastelado, desconsidera os que esperam pela ‘efetividade’ e pelo cumprimento das promessas constitucionais”, escreveu a doutora Lílian Velleda Soares.

E aproveitou para noticiar “queas pompas fúnebres foram singelas, sem as lagostas e os vinhos finos que os nossos impostos suportam” – em referência à licitação de R$ 1,1 milhão que o STF anunciou, em abril, para a compra de refeições para seus integrantes.

Explicando o caso: Celmar era parte em um processo na 2.ª Vara Federal de Rio Grande (RS) que, em 2001, em fase de cumprimento, teria sido alvo de embargos de declaração. O objeto da ação seria o reajuste de 28,86% de seu benefício que, segundo relatado pela defensora no autos, fora concedido a Celmar administrativamente pelo Poder Judiciário em 1999.

Originariamente, o processo foi distribuído para a ministra Ellen Gracie, que se aposentou em agosto de 2011. Em dezembro do mesmo ano, a relatoria do processo foi redistribuída à ministra Rosa Weber, sucessora de Ellen. Rubricado como de “repercussão geral”, o processo exige análise do Plenário do Tribunal.

Não obstante as várias “súplicas” da advogada Lilian, implorando prioridade na tramitação dos autos, em razão não só do tempo decorrido, mas, sobretudo, pela avançada idade e o estado de saúde do cliente, que sofria do Mal de Parkinson e requeria tratamento constante, isso não sensibilizou os impolutos e implacáveis homens da toga.

O recurso no qual Celmar era parte interessada foi protocolado em maio de 2008 pelo INSS contra um acórdão 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Paraná. Na ocasião, os magistrados negaram o pedido feito pelo instituto de seguridade para declarar da inconstitucionalidade de ‘coisa julgada’ – uma sentença que reconheceu o direito de um segurado a ter seu benefício de pensão por morte revisado. O órgão tinha como objetivo suspender o cumprimento da sentença, ou seja, ‘pagamento das prestações vencidas calculadas e implantação da revisão do benefício’.

Diante da decisão de 1ª instância, o INSS recorreu ao Supremo, alegando violação de dois pontos da Constituição – o artigo 5, inciso 36, da coisa julgada e ato jurídico perfeito, e o artigo 195, inciso 5, da ‘pré-existência de custeio’.

Em nome de Celmar, a doutora Lilian reagiu, afirmando que o recurso “desconstitui a autoridade da coisa julgada em benefício da Administração Pública”, argumentando: “A experiência histórica da relativização da coisa julgada no Nazismo adverte do perigo de se desprestigiar as decisões judiciais para atender os interesses do governo de plantão”.

Aí, acrescenta uma pergunta à insigne relatora: “Então, ministra Rosa Weber, que papel Vossa Excelência desempenhará na História?”

É essa a excelsa Corte que os ministros Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes defendem com ferocidade canina, ameaçando os seus críticos com o fogo da inquisição.

Satanás os aguarda com ansiedade.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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