Quem viu Pelé

Como seriam os seus gols em dez ângulos diferentes, como os de Messi?

O vento que sopra sobre a crônica esportiva trouxe de novo a discussão sobre quem seria maior, Pelé ou Messi. Assim como o Juca Kfouri, inclua-me fora dela. Como assisti a Pelé jogar, fiquei prematuramente quite com o futebol —podia morrer sem ver mais ninguém, logo não tenho o que discutir. Mas, e quem não teve essa felicidade? 

Ah, sim, Messi. Se há algo hoje de que o mundo não está em falta é ele. Pode-se vê-lo em ação duas vezes por semana, pelo Barcelona ou pela Argentina, na TV, no online, no celular e, em breve, talvez até nas nuvens. Está em todas as telas, das de parede a parede às de três polegadas que você carrega no bolso. Seus gols são repetidos mil vezes em dez ângulos diferentes, para que não haja dúvida sobre sua genialidade. E a câmera ultralenta o transforma num Baryshnikov dos gramados.

Em metade dos anos Pelé, que foram de 1957 a 1974, o futebol era filmado em película, não gravado em videoteipe. Pelo alto custo da película, da revelação e das cópias, raramente se filmava um jogo inteiro —só se ligava a câmera quando havia chance de gol. É por isso que, nas cenas de futebol do passado, quase nunca se vê o começo da jogada que resultou na bola nas redes. E, mesmo que todos os jogos tivessem sido filmados, muitos já teriam sido devorados pelas chamas. Então, como ver o que Pelé fazia, digamos, no meio do campo?

Em meados dos anos 60, o videoteipe se instituiu. Mas, também pelo seu custo —cada fita era do tamanho de um tijolo—, os teipes eram apagados depois de exibidos, para que se pudesse gravar de novo em cima. Essa pobreza se estendeu até fins dos anos 70.

O Santos igualmente jogava duas vezes por semana, em São Paulo, no Rio, na Europa, na África e, embora fugazmente, no cinema, sempre podíamos ver as maravilhas de Pelé. Mas você não precisa acreditar em mim. Às vezes, eu também não acreditava no que via.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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