Reclamação

No balcão de atendimento, nem esperou a funcionária perguntar o motivo da presença – foi logo despejando tudo. Não aguentava mais o tormento diário. Todo santo dia precisava chamar um guincho para levantar da cama. Era assim desde que se entende por gente. Nunca se divertiu quando criança, foi obrigado a frequentar a igreja e odiava as rezas, cânticos e achava que um dia a hóstia seria consagrada e servida com arsênico. A escola sempre foi uma câmara de tortura – e ler Rosinha Minha Canoa quase deflagra um surto psicótico. Obrigado a trabalhar num banco, achou que queriam que se suicidasse ao ser escalado para o caixa. Um dia foi mandado embora porque tentou esganar um cliente que insistia em receber um centavo a mais de troco. Nunca namorou, não se definiu sexualmente, ou melhor, se achava uma ameba sem tesão. Teve de trabalhar para não morrer de fome, apesar de achar qualquer tipo de comida um entrave para a vida, uma perda de tempo – ainda mais porque depois tinha que defecar a parte ruim, apesar de achar que não existia uma boa. A atendente ficou atônita. Ele disse que estava ali para reclamar dele mesmo. Chamaram os seguranças. Foi arrastado para fora. Voltou para casa e dormiu. No dia seguinte tinha um guincho a chamar. (Cabeça de Pedra)

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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