Réquiem para a Lava Jato

Aras oficializou a morte simbólica da operação

Se eu fosse um político corrupto, estaria celebrando. A sangria foi finalmente estancada. Ao não renovar o mandato da força-tarefa de Curitiba, o procurador-geral da República, Augusto Aras, oficializou a morte simbólica da Lava Jato.

O defunto é um daqueles personagens complexos, cuja perda é lamentada, mas cujos podres todos comentam no velório. Aliás, os maus hábitos da vítima, notadamente a hýbris do ex-juiz Sergio Moro e de procuradores de Curitiba, foram em larga medida responsáveis por seu passamento.

Se o magistrado tivesse se comportado como a lei preconiza, não haveria margem para as contestações que acabaram por minar o prestígio da operação e poderão reverter algumas de suas condenações. E é assim que tem de ser. O devido processo legal, que inclui o direito de não ser julgado por um juiz documentadamente parcial, é ponto inegociável no Estado de Direito.

O que torna o ocaso da Lava Jato especialmente lastimável é o fato de que não teria sido difícil chegar a resultados muito próximos aos que ela gerou sem que o magistrado estabelecesse um relacionamento promíscuo com a acusação. Os esquemas de corrupção eram reais, e as leis da física e o mecanismo das delações premiadas teriam sido mais do que suficientes para encontrar as provas.

O problema com a corrupção é que ela funciona bem. Na verdade, é a segunda melhor forma de organização da sociedade. É menos eficiente do que um sistema no qual tudo ocorra de acordo com regras impessoais, mas é superior a um regime no qual tudo fica sujeito ao capricho de autoridades ou, pior, a um no qual as “concorrências” se resolvem à bala. É por funcionar que é difícil acabar com ela.

Ao deixar que a Lava Jato morra de morte melancólica, o Brasil perde mais uma oportunidade de fazer a transição do time das republiquetas para o de países um pouco mais sérios. Quem sabe tenhamos mais sorte na próxima vez.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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