Um conselho, o conselho da filosofia

“ME DIGA UMA COISA, não é hora de termos conselhos de filosofia?” O doutor atira a pergunta à queima-roupa, pede parecer. É advogado, inscrito na OAB, o conselho regional da advocacia, acredita em ordem e progresso e votou em João Amoedo. Não existem conselhos de filosofia para fiscalizar o exercício da atividade, como em outras profissões.

Conselho de profissão é coisa séria. Percorram Curitiba e verão a quantidade de belos prédios que afloraram nos últimos anos, sedes dos mais variados conselhos de classe. São provas da quantidade de profissionais das respectivas áreas e da quantidade de dinheiro arrecadada por esses órgãos só na tarefa de fiscalizar o exercício profissional.

Os prédios dos conselhos lembram, ressalvadas proporções e distanciamento no tempo, os palácios de cardeais da Idade Média, época em que surgiram as protoformas dos conselhos profissionais, as corporações de ofícios. Mas por que insistir na dúvida quanto aos conselhos de filosofia, regionais e nacionais como o CRECI, a OAB, o CREA, o CRM?

Resposta óbvia, tem nome: Olavo de Carvalho, auto-proclamado filósofo e pensador orgânico do Movimento Bolsoignaro. Auto-proclamado porque não existem os tais conselhos, e por uma razão simples: embora as universidades produzam bacharéis em filosofia, eles não saem às ruas e na internet dizendo-se filósofos e como tal interferindo na política.

Temos filósofos, sim, e grandes. No Paraná tivemos Ernani Reichmann e hoje o marxólogo Emmanuel Appel. No Brasil o ancião Tobias Barreto, Miguel Reale, uma pá de outros que esqueço e dois que lembro, Roberto Schwarz e José Arthur Giannotti. Lembro Caio Prado Júnior. Todos ajudaram a ciência e a cultura brasileiras e não atrapalharam o Brasil.

Seria o caso de exigir habilitação acadêmica e registro profissional para os filósofos assim identificados, além dos que escrevem na imprensa, como Luiz Felipe Pondé e Reinaldo Azevedo, inventor dos ‘petralhas’. Só por eles, não, a coisa está de bom tamanho, o número é reduzido, não justifica os conselhos de classe. Acontece que aí entra Olavo de Carvalho.

Os militares já perguntam, “onde estudou, cadê o diploma de Olavo de Carvalho?”. Ninguém ainda viu. O que ele fez como filósofo, assim no nível de um Caio Prado Júnior? Nada. Para quem ele filosofa? Aí a coisa complica: ele filosofa para as paredes e para gente sem cérebro. Paredes, no entanto, e descerebrados que mandam, têm poder, fazem estragos coletivos.

Então precisamos dos conselhos de filosofia. Não pelo número ou pela imprescindibilidade dos filósofos. Precisamos dos conselhos pela escassez de filósofos. Melhor, pela existência de Olavo de Carvalho, filósofo para si e suas negas. Ou criamos os conselhos de astrologia, pois o ‘filósofo’ Olavo fazia mapas astrais e hoje doutrina lunáticos

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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