Ruínas do Templo do Espírito

Balançou. Duas pessoas e a intimidade. Isso intimida. O único som que a chuva trazia ontem era black-black-black. Do ping-ping-ping, romântico e aconchegante ficou apenas o som oco escurecendo minha alma. Black-out. Minhalma. Miau de gato perdido na chuva. Clichês sem vestimentas evolucionárias enfatizando a dança dos significados, remoendo restos e rebotalhos de agruras mal-passadas.

Depois que escoou o nosso riso, ao telefone, tal e qual um rio raso em mar profundo, senti que não dava mais pé e faltava ar. Barbara Black, PhD, from Cambridge, havia me desarmado com mãos de soldado treinado para desativar minas. E com humor digno de Groucho Marx. E isso me doía mais – humor dói. ‘Estão mentalmente enfermos os que, afetados por uma doença séria, não sentem dor.’ Por Hipócrates, era bom exemplo. Por exemplo, era bom Hipócrates. Quem amiga, aviso é. Meu cérebro era o coração. Levei The Stress of Life, de Hans Selye para a poltrona e o castiguei com duas horas de leitura ininterrupta. Nosso meio ambiente é apenas acúmulo de eras passadas, camadas sobre camadas, restos de dinossauros e pterodátilos. Caminhamos sobre antigos corações esmagados por amores findos. Seremos restos para seres do futuro. Escavarão minhas mágoas, meus sentimentos mal resolvidos. E só acharão jeans e tênis. E tampinhas de cervejas.

Não tive coragem de pegar ao telefone. Ele pesava mais de uma tonelada. E estava grampeado pelos fantasmas que infestam as relações humanas. Eles ouviam as conversas e riam a plenos lençóis. Por causa de uma deformação perceptiva congênita, não pude saber o que eles deduziram do meu sentimento em relação a Barbara Black, Ph.D. Fromm, sempre ele, me diz que amar não é fácil. O objeto desejável, a gente sempre acha que deve ser o melhor disponível no mercado. Tudo à base de troca. E, se possível, com lucro. Amar requer conhecimento e esforço. O lucro é o dispêndio de esforço para obtenção do conhecimento. Fall in love é cair em tentação. Ó, divagações em contrário, ajudai-me!

Toca o telefone. Meu coração para. Estarei morto? Ou apenas debaixo dos escombros, respirando fuligem? Não é Barbara, Ph.D., é apenas um engano dos mais enganadores. Telemarketing.

*Rui Werneck de Capistrarno é grande mas não é dois.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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