Era uma vez meu avô…

No meu tempo de Colégio Estadual do Paraná passei pelo que hoje se chama pomposamente de bullying. Era lá por 1964/5. A professora de Português, Elvira Meirelles, era uma fera. Exigia cadernos limpos, encapados, sem rasuras. Disciplinadora rígida, reprovava, mandava pra fora da sala, mandava pra direção. As aulas dela eram muito silenciosas. Todo mundo tinha medo.  Quando ela passava pelo corredor, até as outras turmas silenciavam.

Um dia, não me lembro mais por que, eu disse a ela que era neto de Adolpho Werneck, o poeta simbolista. Foi em plena sala de aula. Pronto. Virei ‘peixinho da Meirelles’. Não só pra minha turma, mas pra todo o colégio! Toda hora, na sala, ela fazia questão de me chamar pra responder, pra comentar, pra explicar. Aí, no recreio, no pátio, na cantina, na escolinha de arte — sempre tinha alguém me pegando no pé. Me apelidaram, também, de ‘poeta’, por reflexo. Alunos que mal me conheciam sempre tinham alguma coisa pra comentar. Acontece que, pela inveja, os comentários eram sempre maldosos. E eu era jovem. E isso foi me enchendo de raiva. Bullying!

Um dia, em plena sala, Dona Meirelles me chamou pra responder uma questão qualquer. Ela disse, mais ou menos, o neto do poeta Adolpho Werneck vai nos dizer… Eu levantei e falei, com raiva, chega de me chamar de neto do poeta! Foi um silêncio que chegou até no Passeio Público, ali do lado. Os bichos silenciaram. Até uma ave gritona que tinha lá parou. Só sei que Dona Meirelles me pôs pra fora da sala e disse que ia conversar comigo em seguida. Depois me perdoou por aquilo e parou de me chamar de neto do poeta Adolpho Werneck. Era uma vez meu avô… Foi um alívio. Não que eu não gostasse do meu avô. Nem o conheci vivo, mas já tinha feito trabalhos escolares com seus poemas e tudo. Porém, os tempos eram outros. O Simbolismo estava morto. E eu tinha pretensões literárias. Fazia tímida pose.

Só pra dar uma ideia, num outro dia, Dona Meirelles entrou na sala — todos tinham que ficar de pé — e me viu com um livro nas mãos. Depois de nos mandar sentar, ela me chamou e pediu pra ver o que eu etava lendo. Logo que viu o título, me expulsou da sala e disse que eu não precisava mais ir pra aula dela. Ela me aprovaria por antecipação, sem fazer exames, mas não me queria mais na sala. E era começo de ano! O livro que eu estava lendo era O vampiro de Curitiba, do Dalton Trevisan. Ela me isse que era pornografia!

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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