Capítulo da capitalização: O Castelo

Tem a aranha tecendo, tem a aranha na espera, tem o orvalho na teia.

Recebo todos os dias dezenas de mensagens que me dizem para viver um dia de cada vez. Que o ontem não existe mais e o amanhã é uma incógnita no vácuo do tempo célere. Leio livros de filosofia que dizem o mesmo. E os de autoajuda estão recheados disso. Imagino que muita gente recebe dessas mensagens exaltando o dia de hoje. Elegendo-o como o tesouro mais sagrado, sublime dádiva da vida. De longe, as pessoas botam tremenda fé no meu esplendoroso dia de hoje, sem saber se estou adequadamente vestido para a temperatura reinante, se comi bem ou estou em jejum, se meu coração está partido em mil pedaços. Stop!

Mas, quando alguém se aproxima de mim, começa a criar expectativas do meu amanhã melhor, da minha segurança financeira, do meu futuro sólido. — O hoje rapidamente se escoa, não vê?, a saúde se vai, tá doido?, o dinheiro acaba, já pensou?, os cabelos branqueiam. Está cego? Não sente frio? Não pensa um pingo no dia de amanhã? Vai se resfriar sem casacão e meias grossas! Tem que comer bem, se alimentar! Muda o discurso, muda o curso do pensamento num passe de mágica. Se fosse só isso, ainda estaria bom. Mas logo, logo, com a argamassa da expectativa fremente, esse alguém constrói um castelo em condomínio fechado, com cães de guarda no quintal, cerca eletrificada e moderno sistema de alarma monitorado. Tudo isso para o dia de hoje ficar lá fora, sem ameaçar. Instalado no conforto do castelo, esse alguém, sem se dar conta, continua a mandar mensagens de “viva o dia de hoje” para as pessoas distantes.

É autor de Viva Antiontem.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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